Tomás de Aquino: Questões Discutidas Sobre a Verdade Pergunta 9: A verdade existirá nos sentidos?


Introdução

  • Relembrando que estas questões de São Tomás de Aquino são um total de 12, chegamos agora na nona.
  • São Tomás de Aquino é conhecido no meio da Igreja Católica Apostólica Romana como Doutor Angélico, por que?
  • Porque foi o autor escolástico que escreveu com mais detalhes o ensino sobre os anjos na doutrina cristã.
  • E ainda foi chamado doutor, porque seus ensinos se tornaram referência para o ensino católico, assim como o apóstolo São Paulo, Santo Agostinho de Hipona, São João Crisóstomo, São Basílio de Cesareia, São Gregório de Nazianzo, Santo Atanásio e tantos outros chamados doutores da Igreja.
  • Cabe aqui mais uma informação importante: São Tomás de Aquino fez parte daquilo que foi chamado de Escola Dominicana, não no sentido que conhecemos hoje como prédio de educação, mas um grupo de pensadores cristãos que afirmavam que a filosofia de Aristóteles que foi redescoberta em seu tempo (século XIII) através dos escritores árabes: Al-Kindi, Al-Farrabi, Avicena, Averróis; era compatível com os ensinos cristãos, a despeito das censuras feitas por outros escolásticos, mais simpatizantes do neoplatonismo. (GONZALES, 2004, vol2, p.247)
  • A Escola foi chamada de dominicana, porque seus membros eram pertencentes a ordem mendicante de São Domingos de Gusmão, ou ordem dos pregadores. Esta ordem sustentava que a Filosofia de Aristóteles era muito valiosa e não deveria ser rejeitada pela simples razão de que ela era oposta à perspectiva filosófica ... [das] formulações teológicas anteriores... (GONZALES, 2004, p.247) Esta escola entendia que toda a patrística, inclusive os escritos de Agostinho de Hipona deveriam ser entendidos na perspectiva aristotélica, ou seja, a ideia de conciliar Fé e Razão.
  • Diferente de Santo Agostinho: Tomás de Aquino rejeitou a necessidade de uma iluminação divina especial para explicar a formação humana de conceitos e a busca da ciência natural. Para ele tanto o intelecto agente [o que busca a verdade], quanto o intelecto receptivo [ o que recebe dos sentidos a verdade] são faculdades dos ser humano individual, postadas no ponto mais elevado da hierarquia de capacidades e habilidades que constituem a alma humana. (KENNY, 2008 vol.2, p.265)
  • ...A Filosofia é uma ciência autônoma, na perspectiva do doutor angélico, que pode alcançar os extremos da razão humana. Entretanto esta ciência [ não no sentido moderno que conhecemos] não é infalível, pois a mente humana é fraca e pode facilmente errar. Além disso, como isso requer dons intelectuais excepcionais, nem todos podem alcançar suas conclusões mais altas. A Teologia por outro lado, estuda verdades que foram reveladas e não podem ser duvidadas (...) A razão tem uma função básica não apenas na Filosofia, mas também na Teologia. Ela pode provar aquelas verdades reveladas para dar a elas maior certeza. E mesmo no caso dos artigos da fé, que estão, portanto, além do seu alcance; pois ela mostra que as verdades reveladas, mais elevadas não são incompatíveis com a verdade em geral, e ela também usa os artigos da fé como princípios a partir dos quais se desenvolve uma investigação adicional. (GONZALES, 2004, vol2. p. 252)
  • Dito tudo isso. Vamos ao esquema:
  • Pergunta: A verdade existirá nos sentidos?
  • TESE: PARECERIA NÃO EXISTIR VERDADE NOS SENTIDOS.
  •  CONTRATESE: PARECERIA QUE EXISTE VERDADE NOS SENTIDOS.
  • RESPOSTA:  A QUESTÃO ENUNCIADA.

TESE: PARECERIA NÃO EXISTIR VERDADE NOS SENTIDOS.

  • Anselmo afirma no livro Sobre a Verdade que a verdade consiste na retidão, perceptível exclusivamente à inteligência. Ora, os sentidos não pertencem à natureza da inteligência. Logo, a verdade não reside nos sentidos.  (1)
  • Além disso, no livro LXXXIII das Questões, Agostinho demonstrou que a verdade do corpo não é conhecida pelos sentidos, sendo que as razões por ele invocadas foram expostas mais acima. Logo, a verdade não reside nos sentidos. (2)
  • Esta tese é essencialmente de cunho platônico. Principalmente quando conhecemos que o mundo das ideias de Platão são o modelo verdadeiro (paradeigma alêthinón) de tudo que existe, e o mundo sensível, mundo dos sentidos é apenas uma cópia imperfeita, ou seja, é apenas aparência. Isto, em Platão, é muito bem evidenciado no mito da caverna. Portanto, isto remete a ideia da verdade residir no intelecto humano em dois aspectos: discernimento e intelecto formador de definições. Portanto, os 5 sentidos precisam passar pelo filtro do intelecto quando apreendem a realidade.

CONTRATESE: PARECERIA QUE EXISTE VERDADE NOS SENTIDOS.

  • Efetivamente, no livro Sobre a Verdadeira Religião (capítulo XXXVI), Agostinho afirma que a verdade é aquilo mediante o qual se revela aquilo que é. Ora, aquilo que é aparece não só à inteligência mas também aos sentidos. Logo, a verdade reside também nos sentidos.
  • Aparentemente aqui esta contratese seria o contrário da tese, mas na realidade apenas acrescenta que a verdade não reside exclusivamente na inteligência, mas também nos sentidos.
  • Uma semelhança que podemos encontrar está em Heráclito quando fala que a mudança nos seres é percebida pela experiência dos sentidos. Portanto, sendo verdade a mudança, a mudança é perceptível pelos sentidos.

RESPOSTA:  A QUESTÃO ENUNCIADA.

  • A verdade está tanto na inteligência como nos sentidos, ainda que de maneira diversa.
  • Na inteligência, a verdade reside como alguma coisa que resulta da atividade do intelecto, e como algo que é conhecido através da inteligência. Com efeito, a verdade resulta da atividade do intelecto, enquanto o juízo da inteligência diz respeito à coisa conforme o seu ser. A verdade é conhecida pelo intelecto, enquanto este reflete sobre o seu próprio ato. Isto, não apenas enquanto a inteligência conhece o seu próprio ato, mas também enquanto conhece a relação do ato com a coisa...
  • Outra é a maneira segundo a qual a verdade reside nos sentidos. Neles a verdade se encontra como algo que resulta da atividade dos mesmos, pois a verdade está nos sentidos, na medida em que o juízo dos mesmos diz respeito às coisas.
  • Contudo, a verdade não se encontra nos sentidos como algo que foi conhecido por eles.
  • Pois, quando o conhecimento sensitivo emite um juízo correto sobre as coisas, é importante notar que este conhecimento sensitivo — ao contrário do conhecimento intelectivo — não conhece a verdade através da qual julga corretamente. (...)
  • O conhecimento sensitivo, por ser o que mais do que todos se aproxima do conhecimento próprio das substâncias espirituais, começa, sim, a voltar à sua própria essência, pois não conhece apenas o que cai sob o domínio dos sentidos, mas também o fato de estar em ação. Todavia, a sua volta à própria essência não chega a completar-se, porquanto o conhecimento sensitivo não conhece a sua própria essência. Para Avicena, a razão disto está no fato de o conhecimento sensitivo só se poder efetuar através de um órgão corporal. Ora, é impossível que um órgão se interponha entre a capacidade cognoscitiva dos sentidos e ela mesma. Com efeito, as potências naturais destituídas de sensibilidade de forma alguma podem voltar a si mesmas, pois não são capazes de tomar consciência de estarem agindo. Assim, por exemplo, o fogo não sabe que aquece.
  • Então, a resposta final para toda esta pergunta se resume nisto: numa relação entre intelecto (inteligência) e sentidos.
  • Cabe aqui destacar: A verdade é conhecida pelo intelecto, enquanto este reflete sobre o seu próprio ato. O intelecto sabe a verdade porque em ato (resultado final do ser) tem consciência própria de que está conhecendo. Na nossa linguagem atual se chamaria de “autoconsciência” do que está fazendo.
  • A verdade nos sentidos, por outro lado, é enfatizada sua limitação em necessitar de um órgão para conhecer a verdade, também é mostrado que o órgão em si não tem consciência do que faz. Daí a comparação com o fogo, já que o fogo aquece, mas não sabe que aquece, não tem consciência disso.
  • Portanto, os sentidos precisam da inteligência para conhecerem a verdade.
  • Resposta final:  A verdade existe  na inteligência discernindo as percepções dos sentidos.

IMPLICAÇÕES

  • *BUSQUE A VERDADE ATRAVÉS DO BOM DISCERNIMENTO, DEIXE DE LADO AS FALSAS IMPRESSÕES DOS SENTIDOS (VIÉSES COGNITIVOS E PRECONCEITOS)
  • *EXAMINE TUDO COM PACIÊNCIA E COMPAIXÃO. SIGA O PROVÉRBIO: Como cidade derrubada, que não tem muros, assim é o Homem que não tem domínio próprio. מִשְלֵי (MISHLÊ 25:28)
  • O homem que quiser conduzir a orquestra tem de dar as costas ao público - Max Lucado
  • AMATE VERITATEM IN OMNI TEMPUS ET PACEM OMNIBUS PERSEQUATE.
  • •Amai vós a verdade em todo o tempo, e segui vós a paz com todos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • STO. TOMÁS E DANTE Vida e Obra, São Paulo: Nova Cultural, 1988.
  • —BATISTA, William Memória da Ausência – os séculos de elaboração do discurso sobre o mistério, Rio de Janeiro: Letra Capital, 2011.
  • —GEISLER, Norman & Paul D. Feinberg Introdução a Filosofia, uma perspectiva cristã, Tradução: Gordon Chown, São Paulo Vida Nova, 1983.
  • —GILSON, Étienne Por que São Tomás Criticou Santo Agostinho?/ Avicena e o Ponto de Partida de Duns Scotus, tradução: Tiago José Risi Leme. São Paulo: Paulus, 2010.
  • GONZALES, Justo Uma História do Pensamento Cristão, Cultura Cristã, vol 2- 2004.
KENNY, "Uma nova história da filosofia ocidental" (São Paulo: Loyola, 2008), 4vols.




 


 

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