Tomás de Aquino: Questões Discutidas Sobre a Verdade Pergunta 11: Existirá falsidade nos sentidos?

 


Introdução

         Retornamos mais uma vez ao comentário destas questões que são um total de 12 que são as seguintes:

         1- Que é a verdade?

         2- A verdade encontra-se primariamente na inteligência ou nas coisas?

         3- A verdade reside somente no intelecto sintetizante e analisante?

         4- Haverá uma só verdade, em virtude da qual todas as coisas são verdadeiras?

         5- Haverá alguma outra verdade eterna, além da verdade primeira?

         6- A verdade criada será imutável?

         7- A verdade se predica, em Deus, da essência ou das pessoas?

         8- Todas as verdades derivam da Verdade Primeira?

         9- A verdade existirá nos sentidos?

         10- Existirá alguma coisa falsa?

         11- Existirá falsidade nos sentidos?

         12- Existirá falsidade na inteligência?

         Assim, estamos agora na pergunta 11, ou seja, estamos caminhando para a reta de final.

         E desta forma, estudando o método da escolástica vemos o esquema seguinte para esta pergunta:

         *Tese:

         *Contratese:

         *Resposta a Questão Enunciada:

         *Resposta aos Argumentos da Tese.

         Este esquema é aquilo que é chamado de Discurso Dialético: porque se utiliza da análise e do debate, do encontro entre os opostos na busca rigorosa pelo conhecimento.

         Portanto, na dialética esta investigação busca um guia seguro para descoberta da verdade sem ignorar possibilidades muitas vezes conflitantes entre si. Mesmo porque, para o aquinense há verdades que a mente humana tem capacidade de descobrir visto ela ser derivada da criação da causa primeira. (Deus)

Pergunta: Existirá falsidade nos sentidos?

         I- Tese: NÃO PARECERIA EXISTIR FALSIDADE NOS SENTIDOS.

         A inteligência é sempre reta, conforme se diz no livro III da obra Sobre a Alma. Ora, o intelecto constitui a parte superior no homem. Logo, tampouco as outras partes comportam falsidade, assim como no mundo dos seres superiores as coisas inferiores estão dispostas segundo as superiores. (1)

         Além disso, Agostinho afirma no livro Sobre a Verdadeira Religião: "Os próprios olhos não nos enganam, pois só podem transmitir-nos o que lhes vem das coisas. Se todos os sentidos do corpo transmitem simplesmente o que lhes vem das coisas, não sei o que mais poderíamos exigir deles". Logo, não existe falsidade nos sentidos. (2)

         O argumento desta tese se divide em duas partes

         1- De que em termos hierárquicos tudo que é derivado de algo superior não pode errar já que o superior não falha.

         2- Os sentidos sendo apenas receptores daquilo que existe, não podem transmitir falsidade, já que as coisas que existem como são não comportam em si falsidades mas apenas a realidade que se chama: verdade.

II- CONTRATESE: PARECERIA QUE PODE HAVER FALSIDADE NOS SENTIDOS.

         Anselmo afirma o seguinte: "A verdade reside nos nossos sentidos, mas não pura e simplesmente, visto que as coisas por vezes enganam".(1)

         Além disso, no dizer de Agostinho no livro dos Solilóquios, costuma denominar-se falso o que está muito longe de verossimilhança, porém apresenta alguma semelhança com o verdadeiro. Ora, os sentidos têm certa semelhança de algumas coisas que não são assim na realidade. Assim, por vezes acontece que os olhos enxergam duas coisas onde só existe uma. Logo, existe falsidade nos sentidos. (2)

         Na contratese, por outro lado, é demonstrado a possibilidade dos sentidos se confundirem e ao invés de trazer um sentido único para a realidade, os sentidos podem trazer por engano mais de um sentido como exemplo os olhos, quando falamos hoje da ilusão de ótica.

         Percebe-se também aqui que o mesmo Agostinho que é fundamentado para a tese, também é utilizado para a contratese.

         Isso se explica porque, Agostinho teve várias fases como escritor: Essas fases são as seguintes: 1- Contra os maniqueístas; 2- Contra os donatistas; 3- Contra os pelagianos, e por fim de tudo que escreveu fez sua última obra chamada Retratações em que corrige algumas ideias que soaram com tom ambíguo.

III- RESPOSTA A QUESTÃO ENUNCIADA.

         O nosso conhecimento, que parte das coisas, segue esta ordem: principia nos sentidos e completa-se na inteligência, de forma que os sentidos corporais se situam de certa maneira a meio caminho entre as coisas e a inteligência. Comparados às coisas, são como que algo de espiritual intelectual; comparados ao conhecimento espiritual, são como que coisas. Em consequência, diz-se que há falsidade nos sentidos, em uma dupla acepção.

         Primeiramente, conforme a relação do conhecimento sensitivo ao conhecimento espiritual-intelectual. Nesta acepção, os sentidos se denominam verdadeiros ou falsos como uma coisa, na medida em que provocam um juízo correto ou falso na inteligência.

         Em segundo lugar, conforme a relação dos sentidos com as coisas. Nesta acepção se diz que a verdade e a falsidade estão nos sentidos da mesma forma que na inteligência, isto é, enquanto se julga que alguma coisa é o que é, ou não é o que não é. (...)

         (...) No que concerne à apreensão por parte dos sentidos, importa saber que existe certa força apreensiva, que apreende a imagem sensível das coisas como um sentido criado especialmente para isto, quando a coisa sensível está presente. Existe também outra força, que apreende a imagem sensível das coisas, quando estas estão ausentes: tal é a imaginação. Por isso, os sentidos apreendem sempre a coisa como é na realidade, a não ser que haja algum impedimento no órgão ou na transmissão. Ao contrário, a imaginação via de regra apreende a coisa diferente do que é, porquanto apreende a coisa como presente, estando ela ausente. Nesta linha o Filósofo afirma no livro IV da sua Metafísica que a responsabilidade pela falsidade não cabe aos sentidos, mas à fantasia.

         Sintetizando toda esta argumentação de Tomás de Aquino vemos aqui o seguinte as chamadas duas acepções se explicam no relacionamento entre os sentidos e a inteligência humana que interpreta a realidade, e os sentidos como receptores daquilo que é externo ao ser humano.

         Portanto, os sentidos em si não se enganam, mas o engano na interpretação daquilo que os sentidos captam provém de outra faculdade do intelecto humano chamado de imaginação, e que quando esta se torna mestre do processo cognitivo, pode produzir a ideia de falsidade. Nisto Aquino se baseia na Metafísica de Aristóteles.

IV- RESPOSTA AOS ARGUMENTOS DA TESE.

         No mundo dos seres superiores, estes nada recebem dos inferiores, mas é o inverso que ocorre. Ao contrário, em se tratando do homem, o intelecto, que é superior, recebe dos sentidos. Por conseguinte, a paridade invocada pelo argumento não existe.(1)

         Enfim, o intelecto do ser humano apesar de ser superior aos sentidos sempre recebe algo dos sentidos para que possa julgar e apreender a realidade.

         Neste caso, esta pergunta no final de tudo é muito sutil, porque se é verdade que os sentidos podem se enganar, por outro lado, esses sentidos em si só se enganam devido a deficiências como: cegueira, falta de sensibilidade, surdez, falta de paladar e olfato, que no caso são deficiências mecânicas não intencionais, e quando há algo diferente isso se explica pelo mau uso da imaginação.

IMPLICAÇÕES

         1- Nem tudo que reluz é ouro; nem tudo que “chacoalha” cai. 

         Tomemos cuidado com os chamados “vieses cognitivos”. Antes devemos discernir informações e procurar a verdade dos fatos para agirmos com justiça.

         2- Cada macaco no seu galho

         Isso significa, que antes de olharmos os erros do nosso próximo examinemos a nós mesmos, para que sermos melhores pessoas. Olhares diferentes, respostas diferentes, olhar para si mesmo, conhecimento de si mesmo, conhecimento de si mesmo leva a satisfação consigo mesmo, que leva a felicidade.

         AMATE VERITATEM IN OMNI TEMPUS ET PACEM OMNIBUS PERSEQUATE.

         •Amai vós a verdade em todo o tempo, e segui vós a paz com todos.

         Referências

         STO. TOMÁS E DANTE Vida e Obra, São Paulo: Nova Cultural, 1988.

         —BATISTA, William Memória da Ausência – os séculos de elaboração do discurso sobre o mistério, Rio de Janeiro: Letra Capital, 2011.

         —GEISLER, Norman & Paul D. Feinberg Introdução a Filosofia, uma perspectiva cristã, Tradução: Gordon Chown, São Paulo Vida Nova, 1983.

         —GILSON, Étienne Por que São Tomás Criticou Santo Agostinho?/ Avicena e o Ponto de Partida de Duns Scotus, tradução: Tiago José Risi Leme. São Paulo: Paulus, 2010.

         —GONZALEZ, Justo L. Uma História do Pensamento Cristão, vol 2. De Agostinho às Vésperas da Reforma, Tradução: Paulo Arantes, Vanuza Freire de Mattos. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

         —KENNY, Anthony Nova História da Filosofia, São Paulo: Loyola, 2008.

         —PLANTINGA, Alvin Deus, a Liberdade e o Mal tradução: Desidério Murcho, São Paulo:Edições vida Nova, 2012

         —ROSSET, Luciano & Roque Frangiotti Metafísica: Antiga e Medieval, São Paulo: Paulus, 2012.




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