Oração na vida dos reformadores 1


Oração é a conversa da alma com Deus. Nela manifestamos ou expressamos diante Dele nossa reverência e nosso amor por sua divina perfeição, nossa gratidão por todas as suas mercês, nossa penitência [arrependimento] por nossos pecados, nossa esperança em seu amor perdoador, nossa submissão à sua autoridade, nossa confiança em seu cuidado, nossos anelos por seu favor e pelas bênçãos providenciais e espirituais e indispensáveis para nós e para os outros”–Charles Hodge.

 

1. Introdução:

 

O assunto deste texto é o ensino dos principais reformadores do século XVI: Martinho Lutero e João Calvino acerca da oração.

 

Martinho Lutero foi monge da ordem dos agostinianos nasceu em Eisleben provavelmente em 10 de novembro de 1483 na atual Alemanha. Era mestre em Artes, estudou Direito, doutor em Teologia com especialização em interpretação bíblica. Como resultado de sua busca pela certeza da salvação entre os anos de 1513 e 1517 encontrou respostas no estudo das Escrituras principalmente nas cartas de Paulo aos Romanos e aos Gálatas onde desenvolveu a doutrina da Justificação pela graça mediante a fé. Como resultado divulgou suas 95 teses contra os abusos das indulgências praticadas pela igreja do papa em 31 de outubro de 1517. Ele deu origem a Igreja Nacional da Alemanha, quando rompeu com a Igreja de Roma.

 


João Calvino foi mestre em Artes e graduado em Direito com licenciatura para o exercício da advocacia nasceu em Noyon na França aproximadamente em 10 de julho de 1509, ele seria um reformador da “segunda geração”. Provavelmente, devido a seus estudos com os acadêmicos de sua época em torno das Escrituras levou ele a romper com Roma em 1534 quando renunciou seus benefícios eclesiásticos obtidos pelo pai para custear seus estudos. Foi conhecido como o principal sistematizador das doutrinas da Reforma com sua obra “Institutas da Religião Cristã”, que foi durante sua vida várias vezes revisada até chegar sua edição definitiva em 1560 em francês. Foi o pastor presidente da Igreja Reformada de Genebra na Suíça seu trabalho impactou esta cidade e Calvino teve discípulos espalhados na Inglaterra, França, Holanda, Escócia (dos quais se destacou João Knox um dos pais do movimento puritano na Inglaterra), Hungria e parte da Alemanha, e inclusive enviou missionários ao Brasil colônia na chamada “França Antártica”; sua teologia trouxe impacto a vida econômica e social no ocidente.

 

Estes dois reformadores levaram muito a sério o ensino da oração, porque constantemente corriam o perigo dos governos leais ao papa prende-los e queima-los como hereges (mestres de ensino contrários à ordem da igreja do papa). O princípio da Escritura como supremo mestre da vida cristã levou-os a orar e contar com a graça de Deus para levarem a cabo o ministério que lhes foi confiado. Segue o ensino deles acerca da oração:

 

2- Martinho Lutero:
 

 

Lutero, em suas instruções aos pastores na visitação, define bem os princípios que devem reger a oração: 1º) A oração é uma ordenança: porque Deus como príncipe se alegra que seus filhos lhe peçam, porque quanto mais lhe pede mais Ele dá, nisto ele se baseia Lucas 18:1 (o caso da viúva insistente) e o perdão que foi obtido pela pecadora porque ela amou muito, segundo Lutero ela suplicou conforme está em Lucas 7:47; 2º) A oração deve mostrar a confiança de que Deus ouve as orações por causa de suas promessas independente de nossos méritos, porque os méritos são de Cristo: ele se baseia em Mateus 7:7; Lucas 11:9; Marcos 11:24; Miquéias 7:20; porém Deus não ouve a oração dos hipócritas, e dos pecadores que não se arrependem de seus pecados como está no Salmo 18:41; e toda oração deve ser feita a Deus sem duvidar de suas promessas: Salmo 115:6 (acerca da oração a um Deus que não ouve), Tiago 1:5-7; 3º) A oração deve ser o veículo para expormos nossas preocupações a Deus: de pobreza, doença, descrença, pecados não abandonados, e outros males, neste sentido ele afirma o princípio de que só Cristo é nosso mediador; 4º) Implicitamente a intercessão em favor de todos os seres humanos, principalmente as autoridades 1 Timóteo 2:1-2.

 O entendimento de Lutero quanto à oração se resume que ela é cumprimento do mandamento “Não tomarás o nome de Deus em vão” porque como Lutero diz no seu Catecismo Maior o mandamento nos ordena louvar o Santo nome do Senhor, invoca-lo em todas as necessidades, ou orarmos. Diz ele assim: “... que todas as nossas orações devem fundamentar-se e apoiar-se na obediência a Deus, sem consideração de nossa pessoa, quer sejamos pecadores, quer justos, dignos ou indignos (...) para que a oração seja verdadeira, é preciso que haja seriedade. Importa que sintamos a nossa necessidade, a necessidade tal, que nos oprima e nos vá impelir a que chamemos e clamemos (...) Por isso devemos acostumar-nos desde a mocidade a orarmos diariamente, cada qual por toda sua própria necessidade,onde quer que sinta algo que lhe diga respeito, e também pela necessidade de outras pessoas entre as quais vive.” (Catecismo Maior –Terceira parte: O Pai Nosso). Ele também ensinou que os chefes de família deveriam ensinar as pessoas de sua casa a orarem para que tudo fosse bem em seus lares.


3- João Calvino:
 


João Calvino ensina nas Institutas da Religião Cristã que a oração é à maneira de nós seres humanos, com profundidade, conseguirmos ter acesso às riquezas que Deus tem entesourado para seus servos, porque de nós mesmos não temos capacidade de buscarmos nossa própria salvação. É do interesse de Deus que lhe façamos pedidos, porque apesar dele saber o que precisamos, Ele tem prazer de ouvir nossas súplicas. (Salmo 34:15; 31:3). Calvino aplica cinco regras, constatadas na leitura desta obra, acerca do orar corretamente: 1a.) Manter o coração e a mente preparados convenientemente, nossa mente deve se desvencilhar de nossos cuidados egoístas e mesquinhos (ou seja, cuidados carnais), portanto nossos pensamentos devem com respeito e livre de preocupações se voltar para o trono da graça. 2a.) Pedir de acordo com a vontade de Deus. Isto significa que nossos pedidos são atendidos conforme a vontade do Senhor para nossas vidas mediante a tudo o que glorifica o seu Santo Nome. Salmo 52:8 nos ensina que devemos nos achegar a Ele confinado em sua misericórdia, porém a própria palavra nos adverte que Deus não atende os nossos caprichos (1 João 5:14). Como orar segundo a vontade de Deus? Orando no Espírito Santo porque ele intercede por nós (Romanos 8:26), e também nos revestindo da armadura de Deus (Efésios 6:18; Judas 20), logo orar desta forma é se colocar no fruto do Espírito (amor, paz, alegria, longanimidade, benignidade, bondade, mansidão, domínio próprio, fidelidade), o esforço e iniciativa também são importantes (1 Coríntios 14:15) ; 3a.) Desejar seriamente aquilo que pedimos, com um desejo sincero de que nossas petições sejam ouvidas. Em Tiago 5:13 devemos orar conforme a ocasião pede com seriedade e persistência crendo no agir de Deus, logo todas as nossas orações também devem ser acompanhadas de arrependimento, porque Deus não ouve orgulhosos e rebeldes (Isaías 1:15; Jeremias 11:7,8,11), mas o os que cumprem seus mandamentos( 1 João 3:22); 4a.) Orar despido de toda vanglória, pondo de lado qualquer idéia de merecimento, humildemente dando a Deus toda a glória, para que não aconteça que, por nossa arrogância, Deus afaste de nós sua face (Daniel 9:18-20; Salmo 25:7; Salmo 86:2; Isaías 38:3); 5a.) Pela humildade devemos ser animados na esperança de sermos atendidos. Arrependimento e fé caminham juntos para uma oração correta, ou seja, um sentimento e decisão de conversão constantes. (Salmo 5:7; Mateus 11:24; Mateus 21:22).

 

“Em resumo, é a fé que obtém o que a oração nos dá. Assim a oração, segundo Calvino, a petição deve estar sempre ligação à ação de graças, porque tudo provém de Deus e são dádivas graciosas (1 Timóteo 2:1)”. (Institutas Livro III, capítulo 20).

 

Conclusão


Os reformadores Lutero e Calvino antes de tudo se preocuparam que as pessoas além de terem o conhecimento teórico de Deus e de si mesmos, também incentivaram as pessoas a terem um relacionamento vivo com Cristo, portanto entenderam perfeitamente que para poderem falar de justificação, fé, graça era necessário que tudo isto precisava de uma vivência prática, porque o demonstra mudanças duradouras é a prática da Palavra de Deus.

Lutero orou incessantemente até o momento de se decidir em pregar a graça e romper com o papa, no início, ele não quis dividir a igreja, contudo o papa o excomungou escrevendo a bula Exsurge Domine (Levanta-te Senhor); também orou para melhor organizar a nova igreja evangélica na Alemanha (porque Lutero se considerava evangélico conforme Romanos 1:17b). Calvino vivia enfermo desde os trinta anos de idade e sofria pressões de seus inimigos (os libertinos de Genebra e os romanistas), mas da mesma forma que fazia teologia orava simultaneamente e incessantemente confiado na soberania de Deus, porque seus comentários sempre tem uma oração de abertura, nada mais piedoso para nós hoje.

Bibliografia

 
MARTINHO LUTERO, Obras Selecionadas (vol. 7), São Leopoldo (RS): Sinodal & Porto Alegre (RS): Concórdia, 2000.

ALTMAN, Walter, Lutero e Libertação, São Leopoldo (RS): Sinodal & São Paulo: Ática, 1994.

FERREIRA, Wilson Castro, Calvino: Vida, Influência e Teologia, Campinas (SP): Luz para o Caminho, 1995.

JOÃO CALVINO, As Institutas da Religião Cristã – Livro III, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985.

GONZALES, Justo L. Uma História Ilustrada do Cristianismo- A Era dos Reformadores (vol. 5), São Paulo: Vida Nova,1995

 

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