Primórdios do puritanismo na Reforma do Século XVI na Inglaterra parte 2
Durante o reinado do sucessor de Henrique VIII, Eduardo VI (que começou a reinar em 1547), houve uma certa tolerância a diferentes partidos religiosos até que em 21 de janeiro de 1549 foi promulgado pelo parlamento o “Ato de Uniformidade” que determinava que em toda a Inglaterra o serviço de culto seria realizado segundo o “Livro de Oração Comum”. Este livro ainda no reinado de Eduardo VI, foi revisado, visto que o original tinha tanto tendências católicas como luteranas;[1] esta versão revisada já tinha sofrido influência zuingliana (quanto ao entender a Santa Ceia como memorial).[2]
De maneira geral, o reinado de Eduardo VI, um menino muito enfermo (segundo Justo González[3]), abriu precedentes para um maior avanço da Reforma na Inglaterra, inclusive revogando os “Seis Artigos” de Henrique VIII. O reinado de Eduardo VI durou seis anos, e após isto, em 1553, subiu ao trono Maria Tudor filha de Henrique VIII com Catarina de Aragão.[4]
Maria Tudor era católica, e com ela houve ferrenha perseguição aos anglicanos (partidários das medidas do reinado de Eduardo VI, que seriam chamados de conformistas) e protestantes desta época (que seriam os antecessores dos puritanos). Com a perseguição, oitocentos protestantes fugiram para os demais países em que a Reforma prosperava.[5]
Nesta época, John Knox se destacou como líder da Reforma na Escócia (país vizinho da Inglaterra), que neste período era governada por uma regente simpatizante das posturas católico-romanas de Maria Tudor (também conhecida como Blood Mary- “Maria a Sanguinária”). Knox fugiu da Escócia, durante as perseguições aos protestantes, indo para a Suíça, onde estudou com Calvino em Genebra, e com Bullinger (sucessor de Zuinglio) em Zurique; também chegou a visitar a Escócia neste período para fortalecer os protestantes que haviam permanecido nela.[6]
Com a morte de Maria Tudor em 1558,[7] os protestantes escoceses se reuniram e formaram uma igreja, e chamaram Knox para retornar. Devido à perseguição aumentada na Escócia, estes protestantes lutaram para consolidar uma igreja com bases reformadas.
Os protestantes escoceses obtiveram vitória para a efetivação de sua igreja no ano de 1560, com a ajuda dos ingleses sendo governados por Elizabeth I (Isabel, filha de Henrique VIII com Ana Bolena), porque para os interesses de Elizabeth I o apoio escocês à França católico-romana punha em perigo a estabilidade de seu governo e sua igreja estatal (a igreja anglicana). [8] Nesta época a rainha regente Maria de Guisa morreu, e Maria Stuart, sua filha, retornou da França em 1561 para reclamar também o trono inglês, visto que ela era neta do rei inglês Henrique VII, porém Stuart não teve sucesso, sendo mais tarde executada por Elizabeth I.[9] Com a morte das duas, a Escócia foi governada por um regente até o trono ser assumido por Jaime VI (Tiago), filho de Maria Stuart, que no ano de 1603 se tornou Jaime I, também rei da Inglaterra.[10]
O trabalho de Knox para a Reforma na Escócia foi de grande importância, deixando como legado para a Igreja Reformada Escocesa os seguintes documentos: a Confissão Escocesa, o Livro de Disciplina, todos em 1560; e o “Livro de Ordem Comum”, um manual de liturgia aprovado por esta igreja em 1564.
Knox foi descrito como o fundador do puritanismo pelo historiador Thomas Carlyle, em sua obra Heroes and Hero Worshippers, conforme menciona Lloyd Jones:
Em que sentido, então, é certo dizer que Knox foi o “fundador do puritanismo” ? A primeira resposta é propiciada por sua originalidade de pensamento, sua independência. O puritano é, por definição, um homem de independência, de pensamento independente (...) Segundo, Knox é o “fundador do puritanismo” porque ele apresenta com muita clareza os princípios normativos do puritanismo (...) a autoridade suprema das Escrituras como a Palavra de Deus. (...) O segundo princípio normativo era que ele acreditava numa reforma “de raiz e ramos”. (...) Ele desejava retornar à idéia neotestamentária de Igreja. Em conformidade com isso, ele dizia que a Igreja tinha de ser reformada em suas cerimônias, noutras palavras, em sua maneira de conduzir o culto e na administração das ordenanças.[11]
Pelo que foi dito acima, duas características dos puritanos estavam presentes em Knox[12]: o princípio de nortear toda a sua vida na Bíblia como autoridade final de todas as coisas, e uma idéia de uma reforma total, não somente doutrinária, mas que envolvesse o culto cristão e toda a sociedade. Estas duas características foram as tônicas do movimento puritano em seu maior desenvolvimento no século XVII.
Na Inglaterra governada por Elizabeth I, os seguintes acontecimentos contribuíram para o crescimento dos puritanos: o primeiro foi o estabelecimento de um acordo entre os diversos partidos religiosos, o que era algo insuficiente em termos de reforma para os protestantes no ano de 1558; o segundo foi um novo “Ato de Uniformidade” no ano de 1559, restabelecendo o uso do “Livro Comum de Orações” em toda a Inglaterra, e o estabelecimento de penas para aqueles que se recusassem a usá-lo no ofício religioso; o terceiro foi, que nos anos de 1567 e 1568 houve forte controvérsia dentro da igreja anglicana, porque até ali não haviam igrejas separatistas ou livres, controvérsia esta que envolvia o uso obrigatório de trajes clericais por parte dos pregadores nos cultos públicos; para os protestantes, usar roupas clericais era estar numa “igreja reformada pela metade”; o quarto foi, que nos anos de 1569 e 1570, Thomas Cartwright (1535-1603) fez preleções na Universidade de Cambridge, baseadas no livro de Atos em que ele defendeu o sistema presbiteriano de governo;[13] o quinto foi, que em 1583, com a nomeação de John Whitgift para o arcebispado de Canterbury (Cantuária), o mais importante da Inglaterra, houve maior rigor na punição aos não-conformistas ao “Ato de Uniformidade” de Elizabeth I.[14]
Em conseqüência destes acontecimentos, já estava formado o clima de revolta destes protestantes que foram alcunhados como puritanos nesta época do reinado de Elizabeth I. O nome “puritano” é caracterizado da seguinte forma por J.I.Packer:
Portanto, o puritanismo tem suas origens na não conformidade aos ritos da igreja anglicana, por parte dos grupos protestantes que consideraram a reforma desta igreja como uma “reforma pela metade”, porque estes grupos desejavam uma reforma completa que fosse além da doutrina, que envolvesse o culto e toda a sociedade inglesa.
[1] Quanto a
interpretação da presença de Cristo na Santa Ceia, tanto poderia admitir a transubstanciação (postura católico-romana),
quanto a consubstanciação (postura luterana).
[2]
GONZALEZ, Justo L. Uma história Ilustrada
do Cristianismo (Vol.6)- A Era dos Reformadores, p.129.[4] RYKEN, Leland. Op.cit, p.23.
[5] Idem.
[6] GONZALEZ, Justo L. Uma história Ilustrada do Cristianismo (Vol.6)- A Era dos Reformadores, p.138.
[7]Ibidem, p.139.
[8] GONZALEZ, Justo L. Uma história Ilustrada do Cristianismo (Vol.6)- A Era dos Reformadores, p.140
[9] Ibidem, p.143.
[10] RYKEN, Leland. Op.cit, p.24.
[11] LLOYD-JONES, D.M. John Knox- O Fundador do Puritanismo In: Os Puritanos suas Origens e seus Sucessores, pp.275-276.
[12] Segundo R.G.Kyle: “Knox não via a si mesmo como um teólogo acadêmico ou como um estrategista político. Sua vocação era pregação do evangelho, e não o ser um escritor, ou líder eclesiástico ou oficial do poder secular.” (CAMERON, Nigel M.de S. (Editor). Dictionary of Scottish Church History:Knox,John, p.466-Tradução do autor).
[13] No ano de 1572 foi fundada a primeira igreja presbiteriana de Wandswoth na Inglaterra pelo partido que se formou em torno de Thomas Cartwright (in CAIRNS, Earle. O Cristianismo Através dos Séculos, p.274).
[14] RYKEN, Leland. Op.cit, p.24.
[15] PACKER, J.I. Entre os Gigantes de Deus- Uma Visão Puritana da Vida Cristã, p.17.
Comentários
Postar um comentário