As lutas dos puritanos no Século XVII parte 2
O
sucessor de Jaime I foi seu filho Carlos I, que subiu ao trono no ano de 1625 e
governou até ser executado pelo parlamento no ano de 1649. Seu reinado se
caracterizou pela defesa do episcopado como legítimo representante da monarquia
em questões religiosas, e pela insistência em considerar o parlamento inglês
(formado pela Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns) como subalterno ao seu
poder, o que levou a governar sem ele durante os anos de 1629 até 1640. Em
reação a esta política, muitos puritanos emigraram para o continente americano
(hoje no atual Estados Unidos da América) durante os anos de 1628 até 1640.[1]
Quanto
à supremacia do episcopado, esta foi levada a cabo por Willian Laud, que foi
feito Arcebispo de Cantuária no ano de 1628, e tomou medidas de repressão
contra o puritanismo inglês e o presbiterianismo escocês.[2]
Os escoceses reagiram à tentativa de Laud de impor o “Livro de Oração Comum” como padrão litúrgico na igreja escocesa, por isso em 1638 os líderes escoceses formaram uma “Aliança Nacional” em defesa do presbiterianismo, e por fim invadiram a Inglaterra.[3]
Carlos tentou convocar o parlamento para conseguir dinheiro para expulsar os escoceses, porém a solidariedade que já havia se firmado entre os escoceses e parte do parlamento já descontente com a política religiosa de Carlos, fez com que ele dissolvesse o parlamento[4] neste ano de 1640 este foi chamado de “O Parlamento Curto”.[5]
Latourrete
caracteriza assim Laud:
(...) Laud cria que a Igreja Católica Romana era uma
igreja verdadeira, e que não era tão apóstata como acreditavam os puritanos.
Sem embargo, cria que a Igreja da Inglaterra, muito mais que a Igreja Romana,
conservava a fé e tradição católicas em sua pureza. Transformou as mesas da Santa Ceia em altares. Se opôs à
teologia calvinista e defendeu o
“arminianismo”. Sempre que podia suprimia as reuniões puritanas. Não favoreceu
a observância puritana do domingo e incentivou Carlos a recomendar a prática
dos esportes e diversões que foram permitidas durante o reinado de Jaime I.
(...) Laud era muito impopular entre os puritanos, e veio a ser para eles uma
espécie de símbolo de tudo quanto eles aborreciam na política eclesiástica de
Carlos. [6]
Apesar de Laud ter se esforçado em atacar a corrupção e irreverência da igreja anglicana, e ainda a atuação de cambistas (comerciantes de objetos religiosos), ele foi decapitado no ano de 1645 pelo parlamento inglês, tendo sido acusado inicialmente por alta traição.[7]
A partir de 1641, veio a reação do parlamento, que nesta época era composto tanto de elementos contrários a Carlos I na política[8], quanto contrários à política religiosa deste rei.[9] Esta época foi conhecida como a do “Parlamento Longo”. Este parlamento tomou as seguintes medidas: a libertação de todos os que se opunham às medidas de Laud; a execução de Lorde Strafford, fiel ministro de Carlos; a promulgação, em maio de 1641, de uma lei que proibia a dissolução do parlamento pelo rei sem prévia aprovação de seus membros; a aprovação para arrecadação de fundos para o financiamento da retirada dos escoceses.[10]
A última medida teve problemas para ser executada, porque soube-se que Carlos estava se aliando aos escoceses para o parlamento ser derrubado, e por último Carlos chegou a acusar e condenar cinco membros da Câmara dos Comuns por traição (1642); o resultado de tudo isto foi a Guerra Civil que durou até 1648.[11] Esta guerra foi realizada entre as tropas do rei, e as tropas fiéis ao parlamento.[12]
Uma pessoa que começou a se destacar nesta época foi Oliver Cromwell, um congregacional;[13] cuja atuação neste período Williston Walker descreve desta forma:
(...) Em 3 de julho de 1644 o exército real foi derrotado em Marston Moor, perto de Nova York , principalmente pela perícia de um membro do parlamento, de pouca experiência militar , Oliver Cromwell (1599-1658). Habilmente criara ele selecionada tropa de “homens religiosos”. Não decorreu um ano, em 14 de junho de 1645, Cromwell fez em frangalhos o último exército do rei nas proximidades de Naseby. (...) O exército “novo modelo” , criado por Cromwell, era uma força de religiosos entusiastas, na qual pouco se ligava às distinções de credos. Desde que se opusessem a Roma e à “prelazia”, puritanos de todas as cores eram bem recebidos. (...) Entretanto, o rígido presbiterianismo da maioria parlamentar se ia tornando desagradável ao exército tanto quanto o antigo governo dos bispos, e Cromwell participava deste sentir. Desde logo o exército exigiu maior grau de tolerância religiosa.[14]
Durante este período, os puritanos defensores do presbiterianismo como forma de governo para a igreja tiveram grande destaque. E foi formada uma “Liga e Pacto Solene” onde ingleses, escoceses e irlandeses estariam uniformes quanto a questões religiosas.[15] O parlamento, desejando o apoio dos escoceses em sua causa, se inclinou para o presbiterianismo, culminando com a convocação da “Assembléia de Westminster”. Esta assembléia eclesiástica reuniu-se na Abadia de Westminster em Londres no ano de 1643 para decidir a respeito do estabelecimento do governo e da liturgia da igreja anglicana. Ela, a assembléia, foi constituída de cento e vinte um clérigos e trinta leigos, e mais oito representantes escoceses (sem direito a voto, mas eram muito influentes).[16]
As realizações desta assembléia eclesiástica foram as seguintes: I) a elaboração do “Diretório de Culto” e sua aprovação pelo parlamento em lugar do “Livro de Oração Comum” em janeiro de 1645; este diretório litúrgico tinha como características: o equilíbrio entre orações extemporâneas e a liturgia prescrita; II) o estabelecimento do governo presbiteriano entre os anos de 1646 e 1647; III) a elaboração da Confissão e dos Catecismos Maior (para a exposição no púlpito) e Menor (para a instrução das crianças),[17] todos estes aprovados pelo parlamento inglês e a Assembléia Geral da Escócia em 1648.[18]
A Confissão de Fé de Westminster representou um dos documentos mais importantes da ortodoxia calvinista[19], pois a partir dela foram confeccionadas: a “Declaração de Savóia” (1658) feita pelos congregacionais ingleses, e a “Confissão de Fé Batista” (1689).[20] Esta confissão, os catecismos, o diretório, e o regime presbiteriano só permaneceram como padrões da igreja anglicana até “A Purga do Orgulho”, quando Oliver Cromwell com seu exército expulsou do parlamento seus membros presbiterianos. Isto ocorreu em 6 de dezembro de 1648.[21]
Com a vitória do exército de Cromwell tanto sobre os presbiterianos, dos quais ele discordava, como das tropas fiéis ao rei Carlos (incluindo os escoceses, que chegaram a firmar acordos com este rei), foi instalado o Protetorado, e executado o rei no ano de 1649 pelos membros não presbiterianos do “Parlamento Longo”. Este período do Protetorado perdurou até a morte de Cromwell (1658), que era o “Lorde Protetor”. O governo de Cromwell caracterizou-se pela tolerância quanto aos assuntos religiosos, sem haver uma preocupação de uniformidade de culto na Inglaterra.[22] O protetorado não pôde prosseguir com seu filho Ricardo, visto que foi fraco ao lidar com as várias correntes políticas da época.[23]
Também pode ser destacada aqui a ênfase da concepção puritana na vida de Cromwell, quando ele mesmo fala sobre a providência de Deus atuando em sua vida: “Sou um daqueles homens cujo coração Deus arrebatou com o propósito de aguardar certas dispensações extraordinárias, de acordo com as promessas que Ele fez, relativas a coisas que seriam cumpridas no futuro, e não posso deixar de pensar que Deus as está iniciando”.[24]
Até aqui, as lutas dos puritanos se mesclaram com as convulsões sociais da época, e principalmente a contestação do absolutismo empregado tanto por Jaime I, quanto por Carlos I, que viviam em luta contra o parlamento, que era formado por puritanos em sua maioria na Câmara dos Comuns. Pode ser dito que, em primeiro lugar, os puritanos presbiterianos chegaram a ser supremos até o protetorado instalado por Oliver Cromwell, e que num segundo momento o puritanismo de linha congregacional prevaleceu durante o protetorado, porém sem uma preocupação em uniformizar a igreja em seu culto e governo.
A partir de 1660, com a restauração da monarquia e subida ao trono de Carlos II, proporcionada pelos presbiterianos e anglicanos monarquistas, o movimento puritano começa a sofrer sua derrocada final no campo político. Apesar dos presbiterianos acreditarem em ser incluídos em um novo arranjo religioso, eles por fim sofreram amarga decepção.[25]
Lloyd Jones expressa-se falando da derrocada dos puritanos: “(...) Que foi que saiu errado, especialmente com os puritanos, que tinham estado em ascendência durante a maior parte desse período?(...) as infelizes e muito lamentáveis divisões nas fileiras dos puritanos”.[26]
Esta decepção se tornou realidade com o restabelecimento da ordem episcopal na igreja anglicana, e no ano de 1662 foi decretado um novo “Ato de Uniformidade”, em que o “Livro de Oração Comum” (já revisado em 1661 sem elementos puritanos em seu conteúdo)[27] foi tornado novamente obrigatório, e quem discordasse sofreria penas por tal desobediência. Com isto, mais de dois mil pastores puritanos foram destituídos de suas igrejas locais, tais como: John Owen, Richard Baxter, Nathaniel Vincent, John Flavel, Thomas Goodwin.[28] E ainda, este “Ato de Uniformidade” proibia os puritanos de colarem grau nas Universidades de Oxford e Cambridge (as principais da Inglaterra), daí surgiram academias dissidentes.[29]
Depois de tudo isso, Carlos II no fim de sua vida (1685) declarou ser católico romano, e seu filho Jaime II (na Escócia Jaime VII), quando começou a reinar, favoreceu a volta do catolicismo e sua possível colocação como religião oficial; houve uma nova revolução, sendo colocados, no lugar de Jaime II, Guilherme de Orange e sua esposa Maria como governantes da Inglaterra e da Escócia.[30] O resultado desta reviravolta foi a restauração da liberdade dos puritanos em pregar e constituírem igrejas independentes.[31]
[1]
Ibidem., p.277.
[2]
GONZALEZ, Justo L. Uma história Ilustrada
do Cristianismo (Vol.8)- A Era dos Dogmas e das Dúvidas, p.60.
[4]
Desde o início de seu reinado Carlos já havia dissolvido três reuniões do
parlamento. Ver GONZALEZ, Justo L. Uma
história Ilustrada do Cristianismo (Vol.8)- A Era dos Dogmas e das Dúvidas,
p.59.
[5] Ibidem, p.60.
[6] LATOURRETE, Keneth Scott. Historia del Cristianismo (Tomo 2), p. 176. Tradução do autor.
[8] A
preocupação da pesquisa não está enfocada nos aspectos políticos desta época .
apenas pode ser afirmado o que disse Justo González: “Os últimos anos antes da
convocação desta nova assembléia tinham trazido consigo dificuldades
econômicas. Os desajustes sociais e econômicos., que antes haviam prejudicado
unicamente os trabalhadores, começaram a afetar
também os comerciantes e industriais.” In GONZALEZ, Justo L. Uma história Ilustrada do Cristianismo
(Vol.8)- A Era dos Dogmas e das Dúvidas, p.62.
[10]
GONZALEZ, Justo L. Uma história Ilustrada
do Cristianismo (Vol.8)- A Era dos Dogmas e das Dúvidas, p.62.
[12]
GONZALEZ, Justo L. Uma história Ilustrada
do Cristianismo (Vol.8)- A Era dos Dogmas e das Dúvidas, p.65.
[13]
FERREIRA, Franklin. O Movimento Puritano
e João Calvino In: Fides Reformata –
Volume IV, Número 1, Janeiro-Julho 1999, São Paulo, Centro Presbiteriano de
Pós-gradução Andrew Jumper, p.32
[16]
Alguns nomes podem ser destacados dentre os teólogos participantes destra assembléia:
James Ussher, John Lighfoot, Thomas Goddwin, Philip Nye, Edmund Calamy, Thomas
Gataker, Edward Reynolds, Herbert Palmer , e o moderador nomeado pelo
parlamento Dr.Willian Twisse. FERREIRA, Franklin. O Movimento Puritano e João Calvino, pp. 30,31.
[19]
GONZALEZ, Justo L Uma história Ilustrada
do Cristianismo (Vol.8)- A Era dos Dogmas e das Dúvidas, p.67.
[24] Proferida em Putney em 1 de janeiro de
1647. In: HILL, Cristopher. O
Eleito de Deus- Oliver Cromwell e A Revolução Inglesa, p.193.
[26]
LLOYD-JONES, D.M. Perplexidades
Puritanas: Algumas Lições de 1640-1662 In: Os Puritanos suas Origens e
seus Sucessores, pp.71.72
[30]
GONZALEZ, Justo L. Uma história Ilustrada
do Cristianismo (Vol.8)- A Era dos Dogmas e das Dúvidas, pp.77,79.
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