Evangelização Puritana 1


A evangelização puritana está enquadrada , dentro do que foi proposto por Antônio José do Nascimento Filho, na categoria de atividade pastoral que envolve “...a edificação dos já alcançados pelo evangelho, provendo e aprofundando este conhecimento”.[1]
            J.I. Packer descreve a evangelização puritana assim:
 
Os praticantes do evangelismo puritano eram pastores com audiências cativas (pois a freqüência à igreja fazia parte da vida nacional naqueles dias), e, para aqueles pastores, a evangelização daqueles que se sentavam regularmente nos bancos era uma parte importante em sua tarefa central de edificar em  Cristo toda a congregação. O programa deles, como evangelistas, não era mais especializado do que isso: ensinar e aplicar as Escrituras de maneira completa e paciente , abrangendo  todo o conselho de Deus, mas repisando sempre três temas. O primeiro o comprimento, a largura, a altura e a profundidade da necessidade que todos têm de se converterem e serem salvos. O segundo era o comprimento, a largura, a altura e a profundidade do amor de Deus, o qual enviou seu Filho à cruz em favor dos pecadores, e do amor de Cristo, o qual, de seu trono celeste, chama agora, para si mesmo, almas sobrecarregadas a fim de serem salvas. O terceiro eram os altos e baixos, os obstáculos e os ardis que temos de enfrentar no caminho que vai da complacência ignorante, acerca da nossa condição espiritual, à fé em Cristo; e esta fé é bem informada, inteligente e, de todo o coração, nos leva a perder a confiança em nós mesmos.[2]
 
            As características da pregação puritana são esboçadas por Joel R. Beeke da seguinte forma:
             Os sermões e escritos puritanos eram extensamente baseados nas Escrituras: isto quer dizer que os sermões puritanos eram expositivos, e que, nesse ponto, o “sermão saía e crescia dentro da palavra de Deus”. E assim os puritanos em seus sermões faziam amplas citações das Escrituras, sem contudo desviarem-se da doutrina que estavam enfocando.[3]
            Leland Ryken concorda com Beeke, quando afirma:
 
Apesar de sua inclinação à doutrina e teologia, os Puritanos predominantemente favoreceram sermões expositivos que “punham em aberto” os significados de uma passagem bíblica específica.(...) A visível abertura da Bíblia  no púlpito durante o culto simbolizava o alvo da pregação expositiva, que revelaria os significados latentes de um texto bíblico específico.[4]
 
             Os sermões e escritos puritanos eram doutrinários: consistiam da apresentação das verdades contidas nas Escrituras de uma forma a ser entendida por todos os ouvintes, e que levasse estes ouvintes a vivenciarem estas verdades no cotidiano.[5]Dentre as doutrinas anunciadas se destacavam:
             A doutrina do pecado:
 
Se o pecado é o maior mal, então vejam a absoluta impossibilidade de recebermos alívio e socorro da parte de qualquer um debaixo do céu, por causa da culpa do nosso pecado, a não ser que venha do próprio Senhor Jesus Cristo. Você, pecador, cometeu um único pecado? Então, [diante] disso nem todos os tesouros da justiça nos céus e na terra são capazes de livrá-lo ou ajudá-lo, a não ser o Senhor Jesus Cristo.[6]
 
            Neste trecho, verifica-se a descrição da natureza do pecado, que é horrível, mas ao mesmo tempo é enunciada a solução para este mal, que é a ação de Cristo na vida do pecador. E também os puritanos, mostrando a incapacidade do ser humano para converter-se sozinho, ressaltam que o pecador não pode converter-se por si próprio, porque o autor da conversão é o “próprio Deus na pessoa do Espírito Santo”, conforme Joseph Alleine escreveu citando Jo 3.5-7.[7]
            Outra doutrina ensinada pelos puritanos era a da majestade de Deus em seus atributos e a ação de sua Providência: os puritanos punham em relevo o ser majestoso de Deus e a glória dele evidenciada em seus atributos, o que levava suas orações a tratarem a Deus como Rei e Senhor a quem deviam respeitar e temer, resumindo tudo isto em reverência (sentimento de reconhecimento da presença de Deus).[8]
            Este tipo de exaltação da majestade de Deus é evidenciada na oração de Nathaniel Vincent, na dedicação da publicação de seu sermão “A Conversão de um Pecador” (1669). Eis o início desta oração:
 
    À tua e mais gloriosa majestade, Deus dos céus e da terra, REI DOS REIS e SENHOR DOS SENHORES; que está acima dos mais altos poderes e dos governos do mundo, do que estes estão acima de seus servos mais insignificantes. Senhor Todo-poderoso, a Ti , a quem me tenho devotado, dedico meu livro, tudo o que há de bom nele é Teu , e se ele trouxer algum bem a Ti dou todo o louvor. [9]
 
            Quanto à providência de Deus, os puritanos acreditavam que viam Deus “em todos os eventos do dia”.[10] O que é expresso nesta frase de John Flavel:
 
     Além de ser o cabeça de Seu povo, a Igreja, Cristo é também o governante do mundo inteiro. Ele controla os acontecimentos mundiais para o maior benefício da Igreja. (...) Há muitas pessoas que se chamam cristãs que consideram os acontecimentos em suas vidas como simples eventos naturais. Elas pensam nos acontecimentos mundiais e nos santos de Deus como se não fossem governados pela providência, mas por causas naturais. Isso é viver como se Deus não existisse![11]
 
             A pessoa de Cristo em sua totalidade para o pecador: os puritanos pregavam e ensinavam o compromisso de uma entrega total do pecador ao senhorio de Cristo, e isto implica em renúncia ao pecado e o viver uma vida dedicada à glória de Cristo, deixando de lado o pecado e seu egocentrismo (o viver para si próprio), significando tudo isto uma salvação integral.[12] Joseph Alleine escreveu sobre a necessidade de uma entrega total a Cristo, fazendo um convite a conversão para os seus leitores:
 
(...) Pecador, você se destruiu a si mesmo e está mergulhado no fosso mais deplorável de miséria, de onde jamais poderá escapar; mas Jesus Cristo pode e está pronto a ajudá-lo e Se oferece espontaneamente a você. (...) O Senhor não procura aquilo que pertence a ti, mas a você mesmo. Submeta, portanto, o seu corpo com os seus membros a Ele; e alma com todos os seus poderes, a fim de que Ele seja glorificado em seu corpo e sua alma, os quais pertencem a Ele.[13]
 
            E também os puritanos ensinavam sobre o alcance da obra de Cristo[14] na vida dos pecadores remidos, como John Owen faz ao explicar o propósito da morte de Cristo, depois de citar as seguintes passagens bíblicas: Lc 19.10; Mt 1.21; 1 Tm 1.15; Hb 2.14-15; Ef 5.25-27; Jo 17.19; Gl 1.4; 2 Co 5.21.
 
A partir de todos esses versículos, é evidente que o propósito da morte de Cristo era salvar, libertar, santificar e justificar aqueles pelos quais Ele morreu. Pergunto: todos os homens são salvos, libertados, santificados e justificados? Julguem, por si mesmos, se Cristo morreu por todos os homens ou somente por aqueles que são realmente salvos e justificados![15]
 
            E por último falavam dos detalhes da doutrina da santificação: mostrando o dever do cristão em colocar toda a sua vida “aos pés de Deus”, um viver em conformidade com os ensinos de Cristo.[16] O que John Owen chama de “mortificação dos feitos do corpo” (Rm 8.13). E esta mortificação é uma necessidade para todo o crente, como ele diz:
 
     Os verdadeiros cristãos, que estão definitivamente livres do poder condenatório do pecado, ainda devem se ocupar durante toda a vida com a mortificação do remanescente poder  do pecado. (...) A força, o poder, e o gozo em nossa vida espiritual dependem de mortificarmos os atos da natureza pecaminosa. (...) Só um cristão, isto é, uma pessoa que está unida a Cristo, é capaz de mortificar o pecado.[17]
 
            Tudo isto reflete a natureza da santificação, que é efetivada pela obra de Cristo (em sua morte e ressurreição), pela Palavra de Deus e pelo Espírito que habita nos que são chamados e regenerados eficazmente por Deus. Esta obra de santificação habilita os crentes a viverem a prática da “verdadeira santidade”, que os levará progressivamente a crescerem na graça do Senhor.[18]


[1] NASCIMENTO FILHO, Antônio José do. O Papel da Ação Social na Evangelização e Missão na América Latina, p.12.
[2] PACKER, J.I. Entre os Gigantes de Deus., p.322.
[3] BEEKE, Joel R. Tocha dos Puritanos: Evangelização Bíblica (TPEB), p.43.
[4] RYKEN, Leland. Santos no Mundo, p.p.110,111.
[5] BEEKE, Joel R. TPEB., p.45.
[6] BOLTON, Samuel. Pecado: O Mal Sem Par, (sermão publicado pela primeira vez no ano de 1657) In BOLTON, Samuel; Nathaniel Vincent e Thomas Watson. Os puritanos e a conversão, p.31.
[7] ALLEINE, J. Um Guia Seguro para o Céu, p.21. (Publicado originalmente em 1671).
[8] BEEKE, Joel R. TPEB., p.46.
[9] VINCENT, Nathaniel. A Conversão de um Pecador In: BOLTON, Samuel; Nathaniel Vincent e Thomas Watson, Os puritanos e a conversão, p.59.
[10] RYKEN, Leland. Santos no Mundo, p.30.
[11] FLAVEL, John. Se Deus Quiser- Um Estudo sobre a Providência, p.9.(Publicado originalmente em 1677).
[12] BEEKE, Joel R.; TPEB., p.47.
[13] ALLEINE, J. Um Guia Seguro para o Céu., pp.114,115.
[14] A Confissão de Fé de Westminster elaborada por puritanos diz o seguinte sobre o alcance da obra de Cristo: “ O Senhor Jesus pela sua perfeita obediência e pelo sacrifício de si mesmo, sacrifício que, pelo Eterno Espírito, ele ofereceu a Deus uma só vez , satisfez plenamente a justiça de seu Pai, e , para todos aqueles que o Pai lhe deu, adquiriu não só a reconciliação, como também uma herança perdurável no Reino dos Céus.” (Capítulo VIII, Seção V).
[15] OWEN, John. Por Quem Cristo Morreu?, p.30. (Publicado originalmente em 1648).
[16] BEEKE, Joel R. TPEB., p.48.
[17] OWEN, John. A Tentação/ A Mortificação do Pecado, passim.
[18] Confissão de Fé de Westminster. Capítulo XIII, Seções I e III.

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