Tomás de Aquino: Questões Discutidas Sobre a Verdade- A verdade criada será imutável? - Pergunta 6


 


  Recapitulando

  As primeiras 5 perguntas são as seguintes:

  1- Que é a verdade?

  2- A verdade encontra-se primariamente na inteligência ou nas coisas?

  3- A verdade reside somente no intelecto sintetizante e analisante?

  4- Haverá uma só verdade, em virtude da qual todas as coisas são verdadeiras?

5- Haverá alguma outra verdade eterna, além da verdade primeira?

  As respostas são as seguintes resumidamente:

  Primeira: De fato tudo que é verdadeiro é o próprio ser, ou seja, a verdade e o ser absoluto são correspondentes.

  Segunda: A verdade encontra-se primariamente na inteligência à medida que está relacionada à inteligência divina, caso não esteja na inteligência divina a verdade deixa de ser o que é.

  Terceira: A verdade reside em duas faculdades do intelecto humano: discernimento (intelecto sintetizante e analisante) e no intelecto formulador de definições (intelecto quidistante).

  Quarta:  A verdade única é a verdade divina, que é a Verdade Primeira, porque está acima das demais verdades porque é incriada.

  Quinta: Só existe uma Verdade Primeira, já que só ela contempla a eternidade e também seu conhecimento diz respeito a tudo.

  Portanto, prosseguimos seguindo o comentário da argumentação da pergunta de hoje que é esta: A verdade criada será imutável?

  O esquema escolástico para esta pergunta é o Seguinte:

  1º TESE

  2º CONTRATESE

  3º RESPOSTA A QUESTÃO ENUNCIADA

  4º RESPOSTA AOS ARGUMENTOS DA TESE

  Este sistema tem como objetivo estabelecer bases racionais para o cristianismo e conciliar fé e razão. (BATISTA, Memória da Ausência, 2011, p.77)

  I — TESE: PARECERIA QUE A VERDADE CRIADA É IMUTÁVEL.

  Pode ser destacado: Anselmo afirma no livro Sobre a Verdade: "Vejo que por esta razão se demonstra que a verdade permanece imóvel". Ora, a razão alegada versava sobre a verdade da significação, conforme aparece do acima exposto. Logo, a verdade das proposições é imutável, e pela mesma razão o é também a verdade da coisa criada. (1)

  Além disso, se a verdade da proposição é mutável, a alteração ocorre em grau máximo ao alterar-se a coisa. Ora, alterando-se a coisa, a verdade da proposição permanece. Logo, a verdade da proposição é imutável.

  Demonstração da premissa menor. A verdade, segundo Anselmo, consiste em "certa retidão, enquanto cumpre o que recebeu na inteligência divina". Ora, a proposição "Sócrates está sentado" recebeu na inteligência divina o significar que Sócrates está sentado, significação esta que conserva também quando Sócrates não está sentado. Logo, mesmo que Sócrates não esteja sentado, permanece a verdade na proposição enunciada. Por conseguinte, a verdade contida na mencionada proposição não se modifica, mesmo que a coisa como tal se altere. (2)

  Aqui é encontrado a questão de que se temos uma frase: “proposição” que seja verdadeira em algum momento, ainda que o objeto dela, no exemplo, Sócrates mude seu estado, ainda assim permanece verdadeira, isto quer dizer, Sócrates está sentado (é verdade), mas mesmo que fique depois em pé, a frase: Sócrates está sentado, ainda é verdade.

  Além disso, se a verdade se alterasse, esta alteração não poderia ocorrer a não ser que se modificassem as coisas nas quais a verdade reside, da mesma forma que só se diz que as formas mudam ao se alterarem os sujeitos nas quais estas inerem. Ora, a verdade não muda ao se modificarem as coisas verdadeiras, visto que, mesmo desaparecendo as coisas verdadeiras, a verdade em si mesma permanece, conforme demonstram Agostinho e Anselmo. Logo, a verdade é totalmente imutável.(3)

  São Tomás aqui diz que ainda que o sujeito da proposição seja alterado, o que contém nela (a verdade) permanece inalterável, baseado em Santo Anselmo e Santo Agostinho, diz que a verdade em si é imutável.

  Então aqui encontramos o problema chave da ideia dos universais:

  O que é isso? Universais -são os pensamentos ou ideias que são capazes de dar uma unidade a uma diversidade, fala das propriedades comuns a uma multiplicidade de indivíduos.

  Características dos universais: (BATISTA, 2011, p.80)

  *as ideias: que estão na mente de Deus e que são independentes das coisas;

  *as formas: intangíveis, que são as ideias das coisas;

  *os conceitos: formados através da abstração das coisas.

  Então neste caso a verdade é tratada tanto como ideia, nesta tese. Mas ao longo da argumentação será enquadrada em conceito.

  II — CONTRATESE: PARECERIA QUE A VERDADE CRIADA NÃO É IMUTÁVEL.

  Com efeito, ao alterarem-se as causas, alteram-se também os efeitos. Ora, as coisas que constituem a causa da proposição se alteram. Logo, altera-se também a verdade das proposições.

  Neste sentido a ideia de verdade criada, diferente da Verdade Primeira, quando exposta ao teste de proposições em que o sujeito ou causas sejam alteradas demonstra que a verdade criada é mutável. Este já é um movimento pela busca da abstração.

  III — RESPOSTA A QUESTÃO ENUNCIADA.

  Ao dizer-se que uma coisa muda, isto pode entender-se em dois sentidos. Primeiro, no sentido de que a dita coisa é o sujeito da mudança; assim, quando dizemos que um corpo é mutável. Neste sentido, nenhuma forma é passível de mudança, pois ela subsiste em força de sua essência imutável. Aqui não se pergunta se a verdade é imutável neste primeiro sentido.

  A segunda acepção. Diz-se que uma coisa muda quando em relação a ela se opera alguma alteração. Assim, falamos de uma mudança da brancura, pelo fato de que o corpo se altera em relação a ela. É neste segundo sentido que se pergunta se a verdade é mutável.

  Ora, conforme acima explanamos, a Verdade Primeira constitui a medida extrínseca em virtude da qual as coisas se denominam verdadeiras, ao passo que a medida intrínseca é a inerente às próprias coisas. Consequentemente, as coisas criadas apresentam variação (mutabilidade) em sua participação da Verdade Primeira, ao passo que a própria Verdade Primeira, em virtude da qual as coisas se denominam verdadeiras, de modo algum se altera. É o que diz Agostinho na obra Sobre o Livre Arbítrio: "A nossa inteligência enxerga por vezes mais e por vezes menos da própria Verdade. Esta, porém, permanece inalterada em si mesma, sem aumentar nem diminuir".

  Todavia, se por verdade entendermos a que é inerente às coisas, neste caso se pode e deve dizer que a verdade é mutável: não no sentido de que a própria verdade mude, mas no sentido de que algo muda em relação a ela (o conhecimento subjetivo). Com efeito, segundo dissemos acima, a verdade se encontra nos seres criados de dois modos: nas próprias coisas e na inteligência.

  Aqui neste Tomás de Aquino destaca o contraste entre verdade criada e Verdade Primeira. Então: a verdade criada pode ser mutável não no seu sentido em relação a Verdade Primeira, mas é mutável no sentido do conhecimento subjetivo. Exemplo: Se Sócrates é branco e em meu conhecimento é branco ambos concordam e a verdade criada não foi alterada em meu conhecimento subjetivo, mas quando Sócrates torna-se preto, mas continuo afirmando que é branco (isto torna-se falso), e por último Se Sócrates continua branco e eu afirmo que é preto haverá falsidade em meu conhecimento subjetivo.

  Enfim: a verdade é mutável em termos de forma, conhecimento subjetivo, mas é imutável em relação à Verdade Primeira.

  Complexo? Em certo sentido sim, mas, outra vez aqui encontramos o princípio da dialética de abstração. É feita a crítica da Tese para que se chegue a uma síntese levando em conta as proposições contraditórias.

  De ideia para Conceito.

  IV — RESPOSTA AOS ARGUMENTOS DA TESE.

  1. Na citada passagem Anselmo fala da verdade como medida ou critério segundo o qual todas as coisas se denominam verdadeiras.

  2. Já que a inteligência pode voltar-se e refletir sobre si mesma, compreendendo a si mesma como compreende as coisas, conforme se lê na obra Sobre a Alma, o que se refere ao intelecto pode ser considerado de duas maneiras, no que concerne à verdade.

  Primeiro, enquanto são coisas. Nesta acepção, a verdade é predicada delas no mesmo sentido que se predica das outras coisas. Nesta acepção, assim como uma coisa se diz verdadeira por cumprir o que é na mente divina em conservando a sua natureza, da mesma forma denomina-se verdadeira a enunciação quando conserva a sua natureza conforme a mente divina e não pode deixar de ser verdadeira enquanto a própria enunciação permanecer.

  No segundo sentido, as enunciações são comparadas com as coisas conhecidas, caso em que a afirmação se diz verdadeira se concordar com a respectiva coisa; este tipo de verdade, sim, é sujeito a mudança, conforme ficou dito acima.

  Esta última resposta demonstra que em determinadas proposições há mutabilidade, já que só Deus e o intelecto de Deus são eternos e imutáveis (Suma Teológica Questão XVI Artigo VII)

  Assim o conhecimento de proposições acerca do tempo ainda que sejam verdadeiras vemos nelas mudanças. Exemplo: Sócrates esteve sentado – passado; Sócrates está sentado- presente; Sócrates estará sentado – futuro. Vemos assim alterações acerca da verdade do conhecimento.

  Resposta final:

  A verdade criada sempre será mutável, porque não é como a Verdade Primeira, já que a criada está sujeita aos fatores de tempo e demais que a tornam finita, diferente da Verdade Primeira que é eterna e imutável.

Implicações

  * Sempre devemos estar atentos a querer aprender algo, já que somos mutáveis e estamos sujeitos ao tempo.

  * Sempre devemos olhar para lembrarmos que só a Verdade Primeira não muda, isto nos dá segurança para não nos sentirmos perdidos.

  * É Preciso estarmos atentos a ouvirmos os contraditórios e extrair deles experiências para melhorarmos nossa percepção de mundo e termos maior empatia com o próximo.

REFERÊNCIAS

  STO. TOMÁS E DANTE Vida e Obra, São Paulo: Nova Cultural, 1988.

  —BATISTA, William Memória da Ausência – os séculos de elaboração do discurso sobre o mistério, Rio de Janeiro: Letra Capital, 2011.

  —GEISLER, Norman & Paul D. Feinberg Introdução a Filosofia, uma perspectiva cristã, Tradução: Gordon Chown, São Paulo Vida Nova, 1983.

—GILSON, Étienne Por que São Tomás Criticou Santo Agostinho?/ Avicena e o Ponto de Partida de Duns Scotus, tradução: Tiago José Risi Leme. São Paulo: Paulus, 2010.

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