Tomás de Aquino: Questões Discutidas Sobre a Verdade - A verdade encontra-se primariamente na inteligência ou nas coisas? (SEGUNDA PERGUNTA)
Esta reflexão é continuação do comentário sobre as Questões Discutidas Sobre a Verdade de
Tomás de Aquino, que tratam sobre a natureza da verdade, estas questões
destacam o método escolástico de Tese → Contratese →Resposta.
O
comentário anterior tratou da primeira pergunta: Que é a verdade? Para ver este comentário é só acessar o meu blog: http://ed127.blogspot.com/2019/09/tomas-de-aquino-questoes-discutidas.html
, nele
é dito que a verdade está relacionada diretamente ao ser ontológico, ou seja, a
essência do ser, e Aquino como bom teólogo, já que todo filósofo medieval era
teólogo, relacionou o ser ao próprio Deus.
Vamos
então ao comentário da segunda pergunta: A verdade encontra-se primariamente na inteligência ou nas coisas?
Tese: PARECERIA QUE A VERDADE SE ENCONTRA PRIMARIAMENTE NAS COISAS, E NÃO NA
INTELIGÊNCIA.
A argumentação começa com a implicação da seguinte afirmação: se o ente
(ser) se encontra fora da inteligência, logo o verdadeiro está fora da
inteligência, portanto, o verdadeiro se encontra nas coisas. A justificativa é
a seguinte: se a verdade se encontrasse na inteligência tudo que pessoas inteligentes
dissessem seria verdade, mas por experiência percebemos que é absurdo. Outra
forma de dizer seria a seguinte: só poderia ser verdade aquilo que um ser
inteligente pode conhecer, mas percebemos também que não é bem assim. Trazendo
para nossa realidade, não é porque não conhecemos o Vietnã é que ele não vai
existir! Portanto, a verdade não se encontra na inteligência individual.
Nesse
sentido, esta tese é o típico exemplo das discussões da modernidade sobre
empirismo e racionalismo. Principalmente do empirismo de
que todo conhecimento provém da experiência – da observação direta e da
introspecção, representados por John Locke, George Berkeley e mais radical da
parte de David Hume. Comparando a tese com o empirismo, vemos que ela discorda
da experiência empirista.
Contratese: PARECERIA QUE A VERDADE RESIDE PRIMARIAMENTE NA INTELIGÊNCIA, E NÃO NAS
COISAS.
Esta contratese se resume nas afirmativas de Aristóteles em sua
Metafísica: "O verdadeiro e o falso
existem só na inteligência". Além disso, a verdade consiste na
conformidade entre a coisa e o intelecto. Ora, esta conformidade só pode
residir no intelecto. Logo, também a verdade só pode residir na inteligência.
Esta contratese já favorece pensamentos empiristas, porque nela a
verdade se constata pelas percepções do intelecto.
Neste
sentido, é interessante algumas contribuições dos puritanos ingleses, que
estudaram amplamente Aristóteles e Tomás de Aquino, que tinham suas teorias
psicológicas sobre o intelecto que se apresentavam assim: “o cérebro possuiria seis ou
sete compartimentos”, que funcionariam assim: “as imagens sensoriais” que são mediadas por meio dos cinco sentidos
e entram no compartimento conhecido como “senso
comum.” O “senso comum” identifica
as imagens sensoriais, distingue uma das das outras e retransmite para a “imaginação”. A “imaginação” compara as imagens sensoriais, atribuindo-lhes
significado e inteligibilidade, e é capaz de de retê-los quando o objeto não
está mais sendo visto. “As imagens
sensoriais” são aí armazenadas na “memória”
para referências e consultas futuras. O próximo compartimento a“compreensão”, que também pode ser
chamado de “entendimento” convoca as
imagens sensoriais por meio da “memória” ou
da “imaginação” e assim emite juízo
quanto ao que é certo ou errado; verdadeiro ou falso; aí toma a decisão quanto
ao curso de ação a ser seguido. A “vontade”
recebe instruções da “compreensão” via
sistema nervoso direcionando ao corpo, conforme necessário. Então as “afeições” (emoções) acionam os músculos
do corpo de acordo com o direcionamento da “vontade”.
Outro compartimento que trabalha entre a compreensão e a vontade é a “consciência” que é a faculdade da
alma, ligada ao julgamento moral, que lida com as questões do certo e do
errado, bom ou mau. (MCARTHUR Jr, 2004, pp. 49,50)
Resposta a Questão Enunciada:
Diz assim Tomás: Quando se predica algo de alguma coisa antes das
outras, não é necessário que o objeto ao qual se atribui antes o predicado
comum seja a causa dos outros, senão que a causa ê aquilo no qual se encontra
primeiro a noção completa deste predicado comum. (...) A primeira acepção da verdade reside na coisa antes da segunda, visto
que a conformidade com a inteligência divina é anterior à conformidade com a
mente humana. Consequentemente, mesmo que não houvesse inteligência humana, as
coisas continuariam a denominar-se verdadeiras, em relação à mente divina. Se,
porém, por uma hipótese impossível, não existisse nem a inteligência humana nem
a divina, já não teria sentido algum falar de verdade.
Nesta resposta
o aquinense faz a distinção entre inteligência divina e inteligência humana.
Assim, a inteligência divina por ser superior e infinita tem muito mais
capacidade para fazer residir a verdade do que a inteligência humana que é
limitada. Portanto, a verdade reside na inteligência na medida em que a
inteligência divina assim o permite. Já que as coisas em si pela sua existência
independem da existência da inteligência humana. Averdade só pode ser
mencionada a partir da inteligência divina.
Resposta aos argumentos da Tese:
Esta resposta se bem examinada leva em conta os 4 fatores
anteriores da tese: 1º - Todo
conhecimento verdadeiro corresponde necessariamente um ente (ser), e
vice-versa; 2º- Aqui é respondida a questão sobre a identidade entre o verdadeiro
e o ente; 3º- Em outros termos: uma proposição é verdadeira ou falsa, na medida em que
a coisa for um ente ou um não ente. O mesmo se dá com o conhecimento; 4º- ( ) nada existe que não possa ser apreendido,
em ato, pela inteligência divina, e em potência, pelo intelecto humano, visto
que o intelecto agente se define como sendo aquele que pode fazer tudo, e o
intelecto possível se define como sendo aquele que é passível de tornar-se
qualquer coisa. Consequentemente, na definição da coisa verdadeira pode entrar
a visão atual (em ato) da inteligência divina, ao passo que a visão da
inteligência humana só pode entrar se for entendida na linha da potência,
conforme se evidencia do que foi exposto acima.
A
distinção entre inteligência divina e inteligência humana fica mais evidente
quando a inteligência divina apreende as coisas em ato (o ser em sua forma
final, amadurecida), e a inteligência humana que apreende em potência (o ser em
seu processo de desenvolvimento). A ideia de potência e ato são tipicamente
aristotélicas, só para relembrar
o exemplo que podemos ter desses dois conceitos estão numa árvore, seu
estado de potência é a semente e sua forma de ato é a árvore dando frutos.
Assim,
a resposta final que Aquino dá à pergunta A
verdade encontra-se primariamente na inteligência ou nas coisas? A verdade
encontra-se primariamente na inteligência à medida que está relacionada à
inteligência divina, caso não esteja na inteligência divina a verdade deixa de
ser o que é.
Implicações:
1º- A inteligência é uma dádiva divina, logo, nossos pensamentos em
busca pela verdade na medida que se subordinam à inteligência divina podem
encontrar segurança na busca pelo verdadeiro, e isso implica segurança e paz.
2º
A inteligência humana na medida que apreende as coisas em potência, demonstra
que podemos e devemos fazer crescer e desenvolver nossa inteligência.
Cabe aqui falar de inteligência emocional, tal como Augusto Cury, Daniel Goleman
e outros, que mostram a inteligência emocional como fator primordial para crescimento
pessoal, que se exprime num autoexame de nossas motivações emocionais.,
quando sabemos diagnosticar o que estamos sentindo e sabemos lidar
com nossas memórias desativando nossas “janelas killer” ou “souvenirs tueurs »
trabalhando as mesmas para um melhor restabelecer nossa saúde mental/emocional.
3º- A busca pela verdade sempre está fora de nós, porque se estivesse dentro de nós
não precisaríamos do próximo para nos ajudar. Mas pelo contrário, precisamos uns dos outros
para crescermos, já que a inteligência humana está em potência.
Obrigado pela acolhida de todos.
AMATE VERITATEM IN OMNI TEMPUS ET PACEM OMNIBUS PERSEQUATE.
Amai vós a verdade em todo o tempo, e segui vós a paz com todos.
LEITURAS RECOMENDADAS:
STO. TOMÁS E DANTE Vida e Obra, São Paulo: Nova Cultural,
1988.
BATISTA, William Memória da Ausência – os séculos de
elaboração do discurso sobre o mistério, Rio de Janeiro: Letra Capital,
2011.
CURY, Augusto Seja líder de si mesmo, Rio de Janeiro:
Sextante, 2011.
GEISLER, Norman & Paul
D. Feinberg Introdução a Filosofia, uma
perspectiva cristã, Tradução: Gordon Chown, São Paulo Vida Nova, 1983.
GILSON, Étienne Por que São Tomás Criticou Santo Agostinho?/
Avicena e o Ponto de Partida de Duns Scotus, tradução: Tiago José Risi
Leme. São Paulo: Paulus, 2010.
GOLEMAN, Daniel Inteligência Emocional, São Paulo:
Objetiva, 1997
GONZALEZ, Justo L. Uma
História do Pensamento Cristão, vol 2. De Agostinho às Vésperas da
Reforma, Tradução: Paulo Arantes, Vanuza Freire de Mattos. São Paulo:
Cultura Cristã, 2004.
KENNY, Anthony Nova
História da Filosofia, São Paulo: Loyola, 2008.
MACARTHUR JR, John F e Wayne
Mack. Introdução ao Aconselhamento
Bíblico- uma guia básico de princípios e práticas de aconselhamento. Tradução:
Enrico Pasquini, Lauro Pasquini, Eros Pasquini, São Paulo: Hagnos, 2004.
PLANTINGA, Alvin Deus, a Liberdade e o Mal tradução:
Desidério Murcho, São Paulo:Edições vida Nova, 2012
ROSSET, Luciano & Roque
Frangiotti Metafísica: Antiga e Medieval,
São Paulo: Paulus, 2012.
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