Tomás de Aquino: Questões Discutidas Sobre a Verdade - Que é a Verdade?



            Esta reflexão filosófica se deterá no comentário de uma obra de Tomás de Aquino que é Questões Discutidas Sobre a Verdade, nela é percebido o método escolástico da dialética ou debate de ideias, que segue o movimento de Tese → Contratese → Resposta, o que mais tarde Hegel e seus discípulos (na transição do século XVIII para o XIX) entenderão como Tese → Antítese e Síntese.
            A tese seria uma primeira ideia ou opinião, a contratese seria uma opinião contrária e a resposta seria o julgamento entre as duas opiniões. Neste sentido Aquino segue a metodologia de Aristóteles, ou seja, a abstração para buscar a elucidação de seus questionamentos. A abstração seria a busca pela definição rigorosa entre aquilo que é geral e aquilo que é particular; uma busca pela essência das coisas.
            Esta reflexão é um convite para a leitura desta pequena obra.
            As questões são as seguintes:
1ª.) Que é a verdade?
2ª ) A verdade encontra-se primariamente na inteligência ou nas coisas?
3ª) A verdade reside somente no intelecto sintetizante e analisante?
4ª) Haverá uma só verdade, em virtude da qual todas as coisas são verdadeiras?
5ª) Haverá alguma outra verdade eterna, além da verdade primeira?
6ª) A verdade criada será imutável?
7ª ) A verdade se predica, em Deus, da essência ou das pessoas?
8ª ) Todas as verdades derivam da Verdade Primeira?
9ª ) A verdade existirá nos sentidos?
10ª ) Existirá alguma coisa falsa?
11ª ) Existirá falsidade nos sentidos?
12ª) Existirá falsidade na inteligência?

            Esta reflexão se deterá apenas na primeira questão. Devido a nosso curto espaço de tempo.
Primeira: Que é a verdade?
            Tese: PARECERIA QUE O VERDADEIRO É EXATAMENTE O MESMO QUE O ENTE.
            Nesta parte Aquino argumenta a partir de Agostinho de Hipona que tudo aquilo que é verdadeiro corresponde ao ser. O verdadeiro é aquilo que é. A argumentação de Tomás gira em torno da suficiência do ser como algo igual a verdade, assim se o ser é diferente da verdade, logo se a verdade é diferente do ser, o ser precisaria da verdade para se completar. Lembrando que o ser em sua essência é completo.
            Contratese: PARECERIA QUE O VERDADEIRO NÃO É A MESMA COISA QUE ENTE.
            A tautologia é uma repetição inútil. Ora, se o verdadeiro fosse a mesma coisa que o ente, seria uma tautologia, porquanto se afirma que "um ente é verdadeiro". Ora, é falso dizer que tal afirmação constitui uma tautologia. Logo, o verdadeiro e o ente não exprimem exatamente a mesma coisa.
            Lembrando que Tautologia é uma afirmação que não acrescenta nada ao mundo real. Assim, o escolástico se baseando no autor Boécio (da patrística tardia) vai falar como opinião contrária que diz: "Em todas as criaturas, o ser (esse) difere daquilo que é (quod est) " , portanto, ser não implica em verdade, pois a verdade tanto pode acompanhar aquilo que é (um ser específico), quanto o ser em sua essência (o absoluto)
            Outra argumentação contra a ideia do ser se diferenciar da verdade é falar o seguinte que Deus se diferencia em 4 elementos: o ente (essência), o uno à pessoa do Pai, o verdadeiro à pessoa do Filho [Cristo], o bom à pessoa do Espírito Santo. Se existem estas distinções, logo a verdade e a essência do ser não são iguais ou equivalentes.
            Resposta da Questão:
            Neste sentido, Aquino divide sua resposta fazendo considerações sobre o relacionamento da mente com o ser. E depois divide em três argumentos a definição da verdade: 1- "O verdadeiro é a indivisão do ente e daquilo que é". Esta definição é de Agostinho; 2- "A verdade consiste na retidão, perceptível exclusivamente ao espírito". Definição de Anselmo de Aosta (Cantuária); 3- "A verdade é o critério pelo qual julgamos o que é terrestre". Definição de Agostinho.
            Percebe-se sempre a direção que Tomás de Aquino relaciona a verdade, sempre vai relacioná-la com a essência das coisas e com o ser supremo: Deus.
            E ainda, ele continua responde a:
            Resposta aos argumentos da Tese:
             Essa resposta pode ser resumida assim: em que a partir das inferições que ele faz dos argumentos de Agostino sobre “o verdadeiro corresponder ao que é”, portanto, todo o verdadeiro é de algum modo o ente (ser).
            Resposta aos argumentos da Contratese:
            Aquino começa assim: Ao denominar-se um ser verdadeiro, não se incide em tautologia, pois com o termo verdadeiro se exprime algo que não está ainda contido no termo ente. A razão da não tautologia não está em que o ente e o verdadeiro se diferenciem realmente. Assim, essa diferenciação entre a verdade e o ser em sua essência não procedem principalmente quando responde com três argumentos contra a ideia das diferenciações da trindade divina.
            Cita-se assim: I- Embora as três pessoas divinas se diferenciem entre si por distinção real, as coisas apropriadas a cada pessoa não diferem realmente, mas apenas na ordem lógica. II- Embora as três pessoas se distingam realmente uma da outra, todavia não se distinguem do ente. Logo, tampouco o verdadeiro atribuído à pessoa do Filho se distingue realmente do ente que está da parte da essência. III - Embora o ente, o verdadeiro, o uno e o bom se identifiquem, em Deus, mais do que nas coisas criadas, não é necessário que, pelo fato de se distinguirem logicamente em Deus, nas criaturas se distingam também realmente. Isto acontece com aquelas coisas que pelo seu próprio conceito não se identificam, tais como a sabedoria e o poder, os quais, embora em Deus constituam uma só coisa, nas criaturas se distinguem realmente.
            Concluindo esta questão Tomás de Aquino quando relaciona o ser absoluto, diz que de fato tudo que é verdeiro é o próprio ser, ou seja, a verdade e o ser absoluto são correspondentes. Neste sentido, cita indiretamente Jesus: ego sum via et veritas et vita (Biblia Sacra Vulgata- clementina- João 14:6) Eu sou o caminho, a verdade e a vida.
            Aprendemos assim algumas lições acerca do método de Tomás de Aquino:
            1º) Nestes dias de busca pela verdade devemos estar prontos para conhecermos as opiniões contraditórias acerca de uma notícia ou assunto, por isso, não podemos nos limitar a uma única fonte de informação e torná-la como dogma gratuitamente;
            2º) Toda a informação deve ser checada na sua fonte, Aquino lia Aristóteles, Agostinho, Anselmo, e ainda filósofos árabes de confissão islâmica para verificar suas opiniões, ou seja, sempre buscou a justiça dos fatos; devemos questionar: quem serve de fato como julgador do que seja hoje “true news” ou “fake news”.
            3º) Ainda que nossas opiniões possam ser consideradas erradas, devemos ter a humildade checar novamente nossas opiniões, e se caso estejam de fato erradas vamos corrigí-las, caso não estejam, vamos trabalhar novamente para fundamentá-las de maneira mais sólida.
            4º) Agora caso, ninguém queira ouvir nossas opiniões, e quem não ouve é verdadeiramente anticientífico, já que ciência é sempre construção e reforma de conhecimento, então não perca seu tempo. Disse Jesus: “não lance pérolas aos porcos”.
            Desta vez se reconhece que estas implicações foram um pouco duras, mas falo todas elas com carinho e respeito.


AMATE VERITATEM IN OMNI TEMPUS ET PACEM OMNIBUS PERSEQUATE.

Amai vós a verdade em todo o tempo, e segui vós a paz com todos.

LEITURAS RECOMENDADAS:
STO. TOMÁS E DANTE Vida e Obra, São Paulo: Nova Cultural, 1988.
BATISTA, William Memória da Ausência – os séculos de elaboração do discurso sobre o mistério, Rio de Janeiro: Letra Capital, 2011.
GEISLER, Norman & Paul D. Feinberg Introdução a Filosofia, uma perspectiva cristã, Tradução: Gordon Chown, São Paulo Vida Nova, 1983.
GILSON, Étienne Por que São Tomás Criticou Santo Agostinho?/ Avicena e o Ponto de Partida de Duns Scotus, tradução: Tiago José Risi Leme. São Paulo: Paulus, 2010.
GONZALEZ, Justo L. Uma História do Pensamento Cristão, vol 2. De Agostinho às Vésperas da Reforma, Tradução: Paulo Arantes, Vanuza Freire de Mattos. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
KENNY, Anthony Nova História da Filosofia, São Paulo: Loyola, 2008.
PLANTINGA, Alvin Deus, a Liberdade e o Mal tradução: Desidério Murcho, São Paulo:Edições vida Nova, 2012
ROSSET, Luciano & Roque Frangiotti Metafísica: Antiga e Medieval, São Paulo: Paulus, 2012.


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