O TEMPO: REFLEXÕES EM AGOSTINHO DE HIPONA



Introdução
Esta reflexão versa sobre o tempo em Agostinho de Hipona. Está dividida em 4 partes que são as seguintes:
Como Agostinho Escreveu?
O que é o Tempo?
Qual é a relação do Tempo com a Eternidade?
Implicações
Todas elas sempre visam uma reflexão sobre coisas que podemos aprender acerca de nós mesmos e da realidade ao nosso redor.
Como Agostinho escreveu?
Os estudiosos adotam pelo menos duas formas de classificar os escritos de Agostinho:
A primeira leva em conta períodos de vida e ocupação:
I- Primeira Fase: “diálogos de Cassiciaco” (entre 386-388);
II- Segunda Fase: “período de transição” (entre 388-395);
III- Terceira Fase: “período do episcopado” (entre 396-430)
(MORESCHINI, 2008, p.441)
A segunda forma é a seguinte:
A- Combate aos maniqueístas;
B- Combate aos donatistas;
C- Combate aos pelagianos.
(GONZALEZ, 2004, p.25)
Agostinho, quando escrevia, tinha em mira dois objetivos: defender a doutrina (ensino) cristão de ataques tanto internos (de membros da própria igreja), quanto externos (de indivíduos alheios à fé cristã); e instruir os cristãos nos ensinamentos da fé, levando-os a terem uma crença muito mais madura e robusta diante das adversidades da vida e dos falsos ensinamentos de outros grupos religiosos (maniqueístas, gnósticos, e outros).
As Confissões, onde será baseada nossas reflexões, está enquadrada no período de combate aos maniqueístas sendo que o tema do tempo é mais uma exaltação da soberania do criador sobre as criaturas, e um diálogo com os ensinos que obteve de sua época como neoplatônico.
Maiores informações sobre a vida de Agostinho acesse minha palestra anterior no e-mail do grupo, ou por este link no meu blog: https://ed127.blogspot.com/2019/05/o-papel-de-monica-de-tagaste-na-vida-de.html
Não irei me deter na definição de tempo em outros autores já que o tema é vasto, porque pelo menos diferentes disciplinas tratam da definição do tempo, tais como: História, Física, Astronomia, Filosofia... Mas meu foco é filosófico, e especialmente em Agostinho.
Cabe aqui, ressaltar que na chamada filosofia contemporânea Martin Heidegger (1889-1976), mesmo sendo rechaçado por causa de suas ligações com o nazismo, teve proeminência em seus estudos da Filosofia de Agostinho principalmente em sua obra Ser e Tempo (1927) na segunda divisão da mesma chega a tratar do ser humano como estruturado por sua temporalidade. Contudo nosso foco está nas percepções de Agostinho sobre passado, presente e futuro.
Assim, a reflexão será restrita a Agostinho.

O que é o Tempo?

Agostinho nas Confissões Livro XI começa com a demonstração de que o ser humano deve mostrar sua dependência e amor para Deus através da oração. Assim, sua reflexão sobre o tempo, está ligada a glorificação do criador.
Destaca-se nas Confissões a parte conhecida como “O que é o tempo?” (12ª parte do Livro XI) Nesta, Agostinho fala que o tempo só pode existir se algo da criação de Deus existir também, e estiver este algo sujeito a mudanças ao longo de sua existência. Por isto, se algo estiver no presente e não sofrer mudança que denote passado, o presente já não é mais tempo se torna (este presente) em eternidade.
Desenvolvendo esta ideia Agostinho (13ª parte) nas “Três divisões do tempo” fala que o tempo se divide de acordo com as sensações humanas em presente, passado (pretérito) e futuro. Então um evento que já ocorreu (pretérito), está ocorrendo (presente), e ocorrerá (futuro) demonstram que em termos de passado e futuro é necessário entender que a questão do tempo ser longo ou breve não passa de uma questão psicológica, visto que em relação ao presente o passado é o presente que deixou de existir, e o futuro é o presente que ainda irá existir. Portanto, Agostinho por mais que se divida o presente (em horas, dias, anos), este nunca poderá ser longo. E mesmo porque, classificar o passado e o futuro como breve ou longo é algo incoerente porque o primeiro deixou de existir e o segundo ainda existirá.
Quanto ao passado, que não existe mais, e o futuro que não existe ainda, quem poderá medi-los, a menos que ouse afirmar que o nada pode ser medido? Assim, quando o tempo passa, pode ser percebido e medido. (Livro XI, 16)
Esta afirmação faz distinção entre o tempo que passa e o tempo já decorrido, portanto passado e futuro na prática não possuem existência, pois somente o tempo presente é que representa a existência. Quanto a existência do futuro, ele em si não existe, mas pode ser previsto através da lógica das observações de um fenômeno presente, como por exemplo: se o céu está nublado e vem uma corrente de ar, certamente isto aponta para a chuva que vai cair.
De uma maneira geral Agostinho vai afirmar que passado, presente e futuro, todos se resumem na ideia de que é o presente que dá sentido a tudo, ao próprio passado e futuro (XI, 20). Assim o presente é das coisas presentes (visão presente), passado é memória das coisas passadas e futuro é a esperança das coisas futuras.
O bispo de Hipona diante dessas definições já deixa claro que o tempo não tem nada a ver com o movimento dos corpos celestes, porquanto supõe que um corpo celeste como o Sol pode mover-se em menos tempo ou mais, ou ainda manter-se parado. Lembrando que Agostinho não tinha conhecimento de que o “nascer e o pôr do Sol” são vistos por causa do movimento de rotação da Terra. Porém, concordo com Agostinho que o tempo não se equivale a qualquer movimento que seja, mas sim é um ponto de referência de sucessão de eventos, que segundo o bispo se chama “distensão”. E esta distensão envolve uma “distensão da alma”.
É importante não deixar de mencionar o relacionamento do tempo com a memória que está ligada a lembrança do presente das coisas passadas. Assim, a memória se aplica a tudo o que está presente na alma e influi sobre ela, ainda que a alma não esteja consciente. (...) Segundo Madec, porém, a memória indica não apenas a faculdade na qual se conservam os resultados das experiências psicológicas e intelectuais do espírito, mas também a ação mesma de lembrar-se das próprias percepções, do próprio saber, de si mesmo e de Deus. (MORESCHINI, 2008, pp. 477 e 478)
Assim, resumindo o que até agora foi dito, o tempo em Agostinho envolve uma distensão da alma, ou seja, uma distensão das percepções psicológicas do indivíduo onde presente, passado e futuro são: visão do presente, memória do passado e esperança no futuro. O que vai levar a pensarmos na ideia de eternidade.

Qual é a relação do Tempo com a Eternidade?

Agostinho nas Confissões sempre relaciona o tempo como criatura de Deus, porque só Deus possui o atributo de eternidade. A eternidade significa estar acima das criaturas, e como o tempo faz parte da criação, está submisso a ela.
A eternidade é a demonstração de tudo aquilo que ultrapassa as noções de presente, passado e futuro. O que mais chama a atenção é a seguinte pergunta dos céticos acerca da existência de Deus: Que faria Deus antes da criação ?(Livro XI, 10; 12) Esta pergunta recebeu a seguinte resposta sarcástica: Deus preparava a geena [inferno] para aqueles que perscrutam estes profundos mistérios”, inclusive João Calvino (reformador protestante do século XVI) mais tarde, também mencionou esta citação; contudo, o próprio bispo de Hipona evitou esta resposta sarcástica, ele mesmo não trouxe a solução para este questionamento, apenas contentou-se em afirmar que Deus criou todas as coisas, e que antes de criá-las Deus não tinha feito nada.
Importante também é a citação do comentário do Salmo 148:12 [numeração segundo a Septuaginta e popularizada pela Vulgata Latina] que diz assim: Se não entenderes porque algo acontece, atribua-o á conta da divina providência , pois não sucede evidentemente, sem uma causa.” (TONNA-BARTHET, 1995, p.544)
Nesse sentido acerca de Deus como criador, Agostinho concorda com o Timeu de Platão: Deus é essencialmente bom; não obstante, todas as coisas são boas na medida mesma em que são; eis porque, segundo a narração da Gênese, Deus contempla o mundo depois de tê-lo criado e vê que sua obra foi boa, e é também que sugere Platão, de forma imagética, ao dizer que Deus ficou pleno de alegria quando concluiu o universo. (GILSON, 2010, p. 359)
A eternidade em Deus demonstra a capacidade de Deus conhecer de modo diferentes das criaturas, porque para Deus o passado, o presente e o futuro estão em suas mãos pois conhece “o princípio do céu e da terra”.
Esquecido do passado, sem me preocupar com as coisas futuras e transitórias, atento apenas aquilo que é eterno, não com dispersão mas com todas as minhas forças buscarei a palma da vocação celeste, onde ouvirei a voz de teu louvor, e onde contemplarei tua alegria, que não conhece futuro e nem passado. (Confissões Livro XI, 29).
Assim, mesmo Deus sendo eterno e sublime em todo o conhecimento, habita no ser dos humildes.

Implicações:

I- O tempo está ligado às percepções da alma humana, principalmente quando o presente está ligado à visão de eventos atuais, o passado à memória e e o futuro à esperança.
II- O tempo como sendo criatura nos faz lembrar que acima dos eventos que estamos vivenciando, mostra-nos que o criador conhece perfeitamente a nossa vida e tem cuidado dela.
III- E por fim, que cada momento em nossa vida é único, não se repete: o que podemos fazer hoje de bom, venhamos a fazer em favor de nós mesmos, de nossos familiares, amigos e ao próximo.
 CARPE VITAM, CARPE DIEM, CARPE TEMPUS, CARPE COETUS AMICORUM. (Aproveite a vida, aproveite o tempo, aproveite a companhia dos amigos).
AMATE VERITATEM IN OMNI TEMPUS ET PACEM OMNIBUS PERSEQUATE.
Amai vós a verdade em todo o tempo, e segui vós a paz com todos.

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