UM TEXTO DA REFORMA
Este é um texto de reflexão da riqueza da reforma, é
um texto de João Calvino que mostra a riqueza espiritual da Ceia do Senhor
DO EVANGELHO E DA SANTACEIA, MEDIANTE A FÉ, NOS APROPRIAMOS DE
CRISTO COMO O PÃO DA VIDA, NÃO EM MERA CRENÇA, MAS EM COMUNHÃO
REAL
CRISTO COMO O PÃO DA VIDA, NÃO EM MERA CRENÇA, MAS EM COMUNHÃO
REAL
Resta que tudo isso nos seja aplicado efetivamente.
Isso se faz tanto pelo evangelho quanto, mais concretamente, pela Ceia Sagrada,
na qual ele não só nos é oferecido com todos os seus benefícios, mas também o
recebemos pela fé. Portanto, o sacramento não faz com que Cristo comece
primeiro a ser o pão da vida; antes, enquanto evoca à memória que ele se tornou
o pão da vida, do qual nos alimentemos continuamente, e desse pão nos oferece o
gosto e o sabor, faz com que sintamos o poder daquele pão. Pois nos assegura que
tudo quanto Cristo fez ou sofreu, isso ele fez para nos vivificar; então, que
esta vivificação é eterna, pela qual sejamos eternamente alimentados, sejamos
sustentados e sejamos conservados na vida. Ora, pois, assim como Cristo não nos
teria sido o pão da vida, a menos que para nós nascesse e morresse, a menos
que para nós ressuscitasse, assim também de modo nenhum o seria agora, a menos
que a eficácia e o fruto de seu nascimento, morte e ressurreição se tornassem algo
eterno e imortal, tudo o que Cristo expressou maravilhosamente com estas palavras:
“O pão que eu darei é minha carne, a qual eu darei pela vida do mundo” [Jo 6.51];
com cujas palavras acena não dubiamente que seu corpo nos haveria de ser por pão
para a vida espiritual da alma, visto que haveria de ser exposto à morte para
nossa salvação; mais ainda, que ele nos seria oferecido para que dele nos
alimentemos, quando pela fé nos faz participantes dele. Portanto, ele o deu uma
vez para que se fizesse pão, quando, para ser crucificado, aí se entregou para
a redenção da mundo; ele o dá diariamente, quando, pela palavra do evangelho,
no-lo oferece para nossa participação, até onde foi crucificado, quando sela
essa entrega pelo sagrado mistério da Ceia, quando realiza interiormente o
mesmo que representa exteriormente. Mas aqui se nos impõe de fato guardar-nos
de dois vícios, a saber, ou minimiza-mos excessivamente, de seus mistérios, os
sinais, aos quais foram como que anexados, não os desgarremos, ou não nos
mostremos moderados em sua exaltação, obscurecendo também, entrementes, os
próprios mistérios. Não há ninguém que não confesse ser Cristo o pão da vida,
com o qual os fiéis são nutridos para a salvação eterna, a não ser que seja
absolutamente irreligioso. Não há, porém, unanimidade entre todos quanto à
maneira de se participar dele. Pois há quem o defina numa palavra que comer a
carne de Cristo e beber seu sangue outra coisa não é senão crer no próprio
Cristo. A mim, porém, me parece que Cristo quis ensinar algo mais definido e
sublime naquele preclaro discurso no qual nos recomenda comer sua carne[Jo
6.26-35], isto é, que somos vivificados por sua verdadeira participação, a qual
designou com os termos comer e também beber, para que alguém não pensasse que a
vida que dele recebemos é recebida em virtude de mero conhecimento. Pois como o
que propicia o alimento do corpo não é a visão, mas a ingestão do pão, assim importa
que a alma se faça verdadeira e intimamente participante de Cristo, para que,
por seu poder, seja alentada à vida espiritual. Contudo, entrementes
confessamos que esta não é outra senão a mastigação da fé, uma vez que nenhuma
outra se pode imaginar. No entanto, existe diferença entre as minhas e as
palavras desses tais: para eles, comer é apenas crer; e eu digo que, ao crermos,
comemos a carne de Cristo, porque pela fé ele se faz nosso, e essa mastigação é
fruto e efeito da fé. Ou, se o queiras mais claramente, para eles a mastigação
é a fé; para mim, tudo indica que ela resulta antes da fé. Não há dúvida de que
há pouca diferença nas palavras, entretanto ela não é diminuída na matéria.
Ora, uma vez que o Apóstolo ensina habitar Cristo em nosso coração pela fé [Ef
3.17], contudo ninguém interpretará essa habitação como sendo a fé; ao
contrário, todos sentirão que ela deve ser explicada como o efeito sublimado da
fé, porquanto através dela os fiéis conseguem ter a Cristo que neles permanece.
Desse modo o Senhor quis, ao dizer que é “o pão da vida” [Jo 6.35, 48], não
apenas ensinar que a salvação nos foi posta na fé em sua morte e ressurreição,
mas também, mercê de sua verdadeira comunicação, acontece que sua vida nos é
transferida e se faz nossa, não de outra forma que sucede ao pão, quando é
tomado como alimento, ministra vigor ao corpo.
Institutas Livro IV, Capítulo XVII, 5.
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