Autonomia: Uma Reflexão Kantiana
Quem
foi Imanuel Kant?
Como
se definiu sua etimologia na antiguidade relacionada ao conceito de “nomos”?
Como
Kant se referiu a este conceito de autonomia?
Quem foi Imanuel Kant
Nascido
em Konigsberg antiga Prússia (atual Kaliningrado na Rússia) em 1724. Morou
durante toda sua vida nesta cidade dedicando-se ao magistério e à Filosofia.
Foi professor da Universidade de Konigsberg, tendo uma vida tranquila e
metódica. Faleceu em 1804 aos 80 anos. (VASCONCELOS, 2010, p.134)
Foi
influenciado pela sua educação pietista. O pietismo foi um movimento dentro da
igreja luterana na Alemanha da Reforma Protestante que valoriza atitudes de
intensificação da fé através de orações, cânticos e leitura da Bíblia em
detrimento do conhecimento acadêmico da Bíblia e sua Teologia. Também teve
influências de Leibniz, Wolff, Rousseau e Isaac Newton. (VASCONCELOS, 2010,
p.134)
As
ideias de Kant foram sofisticadíssimas devido a complexidade de desenvolvimento
de conceitos e seus desdobramentos, principalmente com relação às ideias de
juízo, razão, autonomia, consciência, sendo que ele foi um dos maiores
demolidores da metafísica (estudo do ser da mente e dos aspectos
sobrenaturais).
Kant
representou de fato a separação do conhecimento da ciência moderna para com o
conhecimento religioso ao demolir a importância da metafísica com sua Crítica da Razão Pura. Ele também
demonstrou o espírito do pensamento iluminista ao valorizar a ideia da
autonomia humana.
Como se definiu sua
etimologia na antiguidade relacionada ao conceito de “nomos”?
A
palavra autonomia vem de dois vocábulos gregos “nomos” (lei, norma), e “autos”
(de si mesmo, a si mesmo).
Nesse
sentido cabe aqui um estudo diacrônico do sentido de “nomos” na língua grega da
antiguidade, nos períodos clássico e koinê (comum).
O substantivo
nomos deriva do verbo nemô com os significados de “distribuir”,
“partilhar”, “atribuir”, “conceder”, especialmente no sentido de “distribuir”
propriedades, “partilhar” pastagens ou terras agriculturais (conforme nomê – pastagem) Noutras palavras, há referência
àqueles processos que são essenciais
sempre quando os homens vivem juntos numa comunidade, pequena ou grande.
(BROWN vol 1, 1999, p.1152).
O
sentido figurado abrange a ideia de “guardar” aquilo que foi confiado à alguém:
“zelar por”, “proteger” também mostra como aquele que o recebeu é considerado
por aquele que distribuiu: “estimar”, “considerar como”, “tomar por”, “respeitar”.
Na
literatura clássica Hesíodo (século VII a.C) poeta grego, fez uso da palavra nomos como distribuição e aquilo que
dela decorre. Na prática regulamentos que atingem o gabarito de tradição.
Importante é o seguinte: Na antiguidade não
se distinguia entre os significados jurídico, ético e religioso de nomos, pois acreditava-se que todos os bens
vinham dos deuses, que sustentavam a ordem no universo e nos relacionamentos
entre os homens.Vem daí a convicção universal, que se acha no decurso da
história humana, de que a lei ligava-se ao divino- ideia essa que persistiu
mesmo em períodos em que a lei estava ligada estritamente a aspectos humanos.Esse
caso se aplicou à condenação de Sócrates que deixou de reverenciar aos deuses
oficialmente adorados (nomizein) não conforme os costumes da pólis (cidade) (BROWN
vol1, 1999, p.1153)
No
aspecto político nomos era considerado o aspecto mais essencial da pólis (cidade-estado), isto é, “norma
judicial”,”costume legal”, “a lei da terra”. A partir do século V a.C, nomos era escrito na forma de nomoi (leis) adquirindo os sentidos de “lei
coercitiva”, “lei escrita”, “constituição”, e assim esse sentido político
relativizou o sentido de lei e valorizou mais os aspectos humanos desta ideia.
A
filosofia mesmo a sofística por entender que as leis humanas são falíveis, este
mesmo ser humano por outro lado não pode existir sem se conformar com a lei “cósmica”
ou “universal”- o Logos divino. É somente
quando o homem está em harmonia com universo que tem a paz de espírito em meio
às vicissitudes da vida como os estóicos. (BROWN vol1, 1999, p.1153).
Platão e
Aristóteles vinculavam a paz de espírito com o nous (mente-entendimento –espírito humano) e assim vinculado com o
divino. Posteriormente a estes, no período koinê a ideia de nomos
segundo as seitas gnósticas procuraram através da religião juntar os
âmbitos divino e humano de lei. (BROWN vol1, 1999, p.1154)
Na
cultura judaica nomos se traduziu Torah termo hebraico para lei, ou seja,
instrução vinda de Deus. Ou seja, na vida hebraica lei é acima de tudo um
aspecto educacional para bom funcionamento da sociedade israelita. A chamada
Bíblia Hebraica foi traduzida para o grego utilizando-se a versão dos Setenta,
que surgiu no século I aC. Na cidade egípcia de Alexandria por sábios judeus
versados no grego koinê .
Concluindo
essa parte, a interação entre lei e indivíduo acabou se interligando com a
ideia de ensino. O logos divino paira sobre estas ideias.
Como Kant se referiu a este
conceito de autonomia?
De uma
forma didática conto com o auxílio do filósofo teólogo Paul Tillich para
elucidar esta questão.
Neste
aspecto a ideia kantiana de autonomia está ligada ao Iluminismo movimento
filosófico, cultural e científico de fim do século XVII que caracterizou a
autonomia juntamente com o iluminismo. Assim, Iluminismo segundo Kant é a conquista humana do estado de imaturidade
criado pelo próprio homem. Imaturidade é a incapacidade do uso da própria razão
sem a orientação dos outros. A essência do iluminismo é o uso livre da razão.
Como
falei em outras ocasiões, a ideia de razão segundo o iluminismo cobre os
seguintes sentidos:
1- Razão Universal: está ligado
ao “Logos”, princípio ordenador de todas coisas que vão desde Heráclito
(filósofo pré-socratico) até os estóicos (posteriores a Platão e Aristóteles).
Este conceito pretende a ideia de como a palavra humana e a linguagem humana
podem apreender a realidade. (...) O
universo foi criado por um poder inteligente, o fundamento divino, e desde que
o mundo foi assim feito, a inteligência pode apreendê-lo. Podemos captar inteligentemente
o mundo, porque o mundo foi criado inteligentemente. (TLLICH, 2000, p.61)
2- Razão crítica: consiste na
completa ênfase bondade essencial do ser humano, apaixonada e revolucionária, em
nome do princípio da justiça. Os revolucionários iluministas acreditavam que o
logos divino habitava neles para que sua razão crítica levava-os a fomentar e
executar a ideia de revolução da sociedade, como foi a Revolução Francesa.
3- Razão intuitiva: antigamente
estava ligada a intuição das essências, particularmente das essências universais
do bem e do mal. É uma faceta totalmente descritiva levando a entender as
estruturas do espírito e da vida. É voltada para busca de significados,
procurando entender os objetos. Serviu de base para a escola filosófica
existencialista. (TLLICH, 2000, p.63)
4- Razão técnica: é a razão que
prevalece nos dias de hoje, aplicada principalmente na tecnologia e no
conhecimento científico. Analisa os
menores elementos da realidade para chegar aos maiores. (...) O poder da
razão técnica está em sua capacidade de analisar a realidade e fazer
instrumentos. (TILLICH, 2000, p.64).
Assim,
com isso em mente, o uso livre da razão segundo Kant, ensinava que as pessoas
vivem mais despreocupadas quando se deixam guiar por líderes religiosos, chefes
políticos ou orientadores educacionais. Com isso, em mente o filósofo queria
acabar com essa insegurança quando se usa livremente a razão.
Portanto,
autonomia significa “ser lei para si mesmo”. A lei não se encontra fora de nós
seres humanos, mas dentro de nós, enquanto o nosso verdadeiro ser. Portanto,
autonomia se opõe à arbitrariedade e ao mero desejo da vontade. (TILLICH, 2000,
p.57)
Para
isso, a lei da razão era a natureza essencial da vontade humana. Cabe aqui
agora distinguir entre subjetividade filosófica e subjetividade psicológica.
Primeiro, a subjetividade filosófica é aquilo que define a essência do ser
humano, sua individualidade. Exemplo: Joana (mulher, escritora, brasileira,
simpática, perseverante, vaidosa, gentil, impaciente); isto são características
da subjetividade do ser chamado Joana.
Segundo, a subjetividade psicológica é tudo aquilo que tem haver com as
escolhas e preferências de cada um. Exemplo: Joana gosta de cores: rosa pink,
azul marinho, verde piscina e branco em algumas ocasiões, prefere vestidos
longos em lugar de calças compridas pantalonas; gosta de sorvete de flocos, mas
odeia jiló etc.
A
autonomia está relacionada ao lado teórico e prático das atividades humanas. Refere-se ao conhecimento e às artes, ao
desenvolvimento da personalidade e da comunidade. Tudo o que pertence à
natureza humana participa em sua estrutura racional. O homem é autônomo. As
leis da realização estética (obras de arte ), da realização cognosciva
(pesquisa científica), da realização individual na personalidade madura, da
realização comunitária por meio do princípio da justiça – todas elas pertencem
à razão e se baseiam na autonomia da razão dos seres humanos. (TILLICH,
2000, p.57).
Dessa
forma, em contraposição a ideia de heteronomia que significa “lei fora de si
mesmo”, a autonomia também pode ser definida como a memória humana de sua
bondade criada [pelo logos divino]. Representa a vida humana vivida segundo a
lei da razão em todos os aspectos da atividade espiritual. (TILLICH, 2000,
p.57)
Em
termos práticos a falta de autonomia, tem como consequência o abuso da
heteronomia, que pode ser usada por instituições e pessoas com objetivo de
governar as consciências de cada um, e quando falo em consciência estou falando
de nosso entendimento ( a capacidade de discernirmos o certo e o errado). Estas
instituições e pessoas podem ser: instituições educacionais, artistas, imprensa,
empresas, pessoas, políticos, líderes religiosos que desprezam a autonomia e
manipulam o “logos divino” para fazerem cativas as consciências humanas.
Enfim,
segundo Kant e o iluminismo, a autonomia como livre uso da razão é fruto da
ação da Razão universal, e esta concede a autonomia como dom natural do ser
humano.
Implicações Práticas
1- A
autonomia é a beleza natural de cada ser humano ser espelho do Logos universal;
2- A
autonomia é a emoção da conquista da liberdade de realização pessoal em favor
de si e dos outros;
3- A
autonomia é constante aperfeiçoamento de nossas reflexões para prontidão de
aprendizado.
VERITAS ET PAX. RUDIMENTUM CONSTANTIS QUAERIMUS.
Verdade
e Paz. Queremos a aprendizagem constante.
Sugestões Bibliográficas:
BROWN, Colin(org.) Dicionário
Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1999.
ROHMAN, Chris O
livro das Ideias, Rio de Janeiro: Campus, 2000.
TILLICH, Paul Perspectivas
da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX, São Paulo: Aste, 2000.
VASCONCELOS, Ana Manual
Compacto de Filosofia, São Paulo: Rideel, 2010.
KANT,
Immanuel Realidade e Existência lições de
Metafísica, São Paulo: Paulus, 2002.
KANT,
Immanuel Crítica
da Razão Prática, São Paulo: Escala, 2006.
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