Tomás de Aquino: Questões Discutidas Sobre a Verdade - Terceira Pergunta: A verdade reside somente no intelecto sintetizante e analisante?




Continuando nossa reflexão em forma de comentário desta obra: Questões Discutidas Sobre a Verdade. As reflexões anteriores estão no nosso e-mail do grupo. Ou no meu blog: https://ed127.blogspot.com/
Nesta terceira pergunta há o seguinte esquema: Tese → Contratese → Resposta a questão enunciada  Resposta aos argumentos da Tese.
O que mais chama atenção nesta pergunta é a ideia de Intelecto Sintetizante e Analisante.
Primeiro nos vem a pergunta: O que é intelecto?
Para a resposta a esta pergunta devemos entender que o vocabulário de Aquino vem de Aristóteles  e de sua metafísica, que influenciou pessoas como os puritanos que utilizei na nossa última reflexão.
O intelecto para Aquino é a inteligência, que segundo a tradição aristotélica é a compreensão . E compreensão recebe o nome de entendimento que nada mais é do que a faculdade da alma que através da memória emite juízo quanto ao que é certo ou errado, verdadeiro ou falso.
Em outras palavras também é conhecido como discernimento.

Segunda pergunta: O que é síntese?
Utilizando a ideia de abstração temos: método, processo ou operação que consiste em reunir elementos diferentes, concretos ou abstratos, e fundi-los num todo coerente.
Significa que a mente percebe as evidências e funde num conceito único.

Terceira pergunta: O que análise?
Método de pensamento voltado para a compreensão ou explicação de um fenômeno complexo, que consiste em reduzir uma realidade intrincada, de difícil apreensão global, em seus componentes básicos e simples.
A ideia fundamental aqui é de descrição e simplificação das coisas (res). Coisas são os objetos avaliados como verdadeiros ou falsos.

Enfim, respondendo estas perguntas temos condição de poder entender a ideia de intelecto sintetizante e analisante como a capacidade de discernimento vindo do entendimento para avaliar o que é falso ou o que é verdadeiro.

Agora sim podemos entrar no texto de Tomás de Aquino.
Esquema:
*INTELECTO= INTELIGÊNCIA;
*INTELECTO SINTETIZANTE E ANALISANTE= COMPREENSÃO= DISCERNIMENTO= ENTENDIMENTO;
*Em Aquino ainda temos: INTELECTO QUIDISTANTE= ELABORAÇÃO DE CONCEITOS A PARTIR DA REALIDADE.
A verdade reside somente no intelecto sintetizante e analisante?
Tese:
PARECERIA QUE A VERDADE NÃO RESIDE EXCLUSIVAMENTE NO INTELECTO SINTETIZANTE E ANALISANTE.
1. O verdadeiro se denomina tal em virtude da comparação do ente com a inteligência.
Isso significa que a inteligência define exclusivamente o que é verdadeiro e falso utilizando a definição de conceitos sobre as coisas, ou seja, só opera através da pergunta: O que é? (quid). Que no texto é chamado de quididade.
2. Além disso, a verdade consiste na conformidade da coisa com o intelecto.
Neste caso assim como o discernimento (intelecto sintetizante e analisante) se conforma com as “coisas”, a inteligência em si condicionada com o processo conceitual (quididade) também se conforma com as “coisas”.
Então a conclusão é que a verdade não reside exclusivamente no intelecto sintetizante e analisante, mas também no processo de quididade ( o que é).
CONTRATESE: PARECERIA QUE A VERDADE RESIDE EXCLUSIVAMENTE NO INTELECTO SINTETIZANTE E ANALISANTE.
1. No livro VI da Metafísica lê-se o seguinte: "O verdadeiro e o falso não estão nas coisas, mas na inteligência. Nos elementos simples, contudo, nem mesmo o que alguma coisa é, está na mente".
Este trecho mostra assim a dependência de Aquino para com o pensamento aristotélico. A ideia aqui transmitida demonstra que o processo de constatação do que é verdadeiro e falso reside na inteligência (intelecto sintetizante e analisante), contudo, as coisas que não são verificáveis no juízo de verdadeiro ou falso estão fora do processo mental. Justamente as “coisas” segundo Aquino compreendem os elementos simples que são: água, ar, terra, fogo.
2. Além disso, no livro III da obra Sobre a Alma se lê que a inteligência das coisas indivisíveis reside naquelas coisas, nas quais não há nem verdade nem falsidade.
Então este trecho justamente menciona “coisas indivisíveis” como os elementos básicos da matéria. E sendo estes elementos básicos, logo não se aplica o critério de verdade ou falsidade. Concordando com o trecho anterior.
III — RESPOSTA A QUESTÃO ENUNCIADA.
Assim como o verdadeiro se encontra antes na inteligência do que nas coisas, da mesma forma reside antes na atividade do intelecto sintetizante e analisante do que na do intelecto formador das essências ou quididades das coisas.
Desta forma, esta frase vai dizer o seguinte que a verdade vai residir não nas “coisas”, mas no intelecto sintetizante e analisante primeiramente e depois na inteligência (intelecto) guiado pelas quididades (essências).
Com efeito, o conceito de verdade consiste na concordância entre a coisa e o conhecimento.
Isso significa que a coisa quando concorda com o julgamento (discernimento) do intelecto este é verdadeiro,  exemplo: o que é verdadeiro, ou seja, a medida das características (predicalidades) que são próprias da coisa encontram-se reservadas no intelecto. 

Características do ouro puro [verdadeiro]
metal de transição brilhante
Amarelo
Denso
Maleável
Dúctil (trivalente e univalente), facilita a transmissão de energia em forma de calor e eletricidade.
Essas características estão reservadas no intelecto em que interagem a síntese, análise e quididade.
Daí que a verdade reside primariamente na atividade sintetizante e analisante da inteligência. Secundária e posteriormente, o verdadeiro se encontra no intelecto formulador de definições.
Esta é a frase que responde a esta terceira pergunta das Questões Debatidas Acerca da Verdade.
Segundo Esquema

*A VERDADE RESIDE:
*1- NO INTELECTO SINTETIZANTE E ANALISANTE (DISCERNIMENTO);
*2- NO INTELECTO QUIDISTANTE = FORMULADOR DE DEFINIÇÕES.

IV — RESPOSTA AOS ARGUMENTOS DA TESE.
1. Embora a formação das quididades (definições) constitua a primeira operação da inteligência, todavia o intelecto não tem, em virtude dela, algo mais de próprio que possa estar em conformidade com a coisa.
Aqui nesta parte é reconhecido que a formação das quididades seja a primeira operação do intelecto, contudo, o que vai definir o discernimento para o que é verdadeiro é o intelecto sintetizante e analisante.
Lembrando que é chamado de entendimento. Entendimento é a capacidade da alma de julgar as coisas definindo o certo e o errado, o verdadeiro e o falso.
Cabe aqui mencionar que na atualidade, desde as críticas feitas por Kant através das suas críticas (Crítica da Razão Pura e Crítica da Razão Prática), o essencialismo que é a teoria dos patrísticos e escolásticos tem sido contestada agora com mais força pelo pensamento pós-moderno.  Principalmente pelos pós-estruturalistas: Michel Foucault, Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Jean-François Lyotard.
Que pensam em comum que conceitos são flexíveis e atendem exclusivamente a grupos políticos, sociais, econômicos e intelectuais.
Implicações
*Discernimento implica selecionar  o que de fato importa para nossas vidas: são coisas ou pessoas?
*Discernimento também implica: construir pontes (relacionamentos saudáveis ou relacionamentos tóxicos?)
*Discernimento nos faz pensar também:  ter uma consciência limpa em relação ao nosso próximo ou uma consciência empedernida só buscando nossos interesses próprios?
*E enfim , discernimento leva a seguinte escolha:  inovações  para destruir princípios de vida ou inovações  respeitando  princípios construtores de vida?
*Isto é para pensarmos no nosso dia a dia. Seguindo a Filosofia Antiga, filosofar é desenvolver aretê (virtude).
AMATE VERITATEM IN OMNI TEMPUS ET PACEM OMNIBUS PERSEQUATE.
Amai vós a verdade em todo o tempo, e segui vós a paz com todos.
LEITURAS RECOMENDADAS:
STO. TOMÁS E DANTE Vida e Obra, São Paulo: Nova Cultural, 1988.
BATISTA, William Memória da Ausência – os séculos de elaboração do discurso sobre o mistério, Rio de Janeiro: Letra Capital, 2011.
GEISLER, Norman & Paul D. Feinberg Introdução a Filosofia, uma perspectiva cristã, Tradução: Gordon Chown, São Paulo Vida Nova, 1983.
GILSON, Étienne Por que São Tomás Criticou Santo Agostinho?/ Avicena e o Ponto de Partida de Duns Scotus, tradução: Tiago José Risi Leme. São Paulo: Paulus, 2010.
GONZALEZ, Justo L. Uma História do Pensamento Cristão, vol 2. De Agostinho às Vésperas da Reforma, Tradução: Paulo Arantes, Vanuza Freire de Mattos. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
KENNY, Anthony Nova História da Filosofia, São Paulo: Loyola, 2008.
PLANTINGA, Alvin Deus, a Liberdade e o Mal tradução: Desidério Murcho, São Paulo:Edições vida Nova, 2012
ROSSET, Luciano & Roque Frangiotti Metafísica: Antiga e Medieval, São Paulo: Paulus, 2012.


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